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Jornalistas relatam agressões em redes sociais após publicar trabalhos

Ofensas são fomentadas por figuras conhecidas da extrema-direita, como os filhos do presidente Jair Bolsonaro.

Por Marina Atoji – Abraji
21/02/2019

Foto: Frans Van Heerden/Pexels
Acusações de produzir e divulgar fake news, xingamentos, ameaças de agressões físicas, convites ao exílio e até manifestações de desejo de morte: esta é a rotina de alguns jornalistas brasileiros nas redes sociais. Os gatilhos podem ser a publicação de uma reportagem assinada pelo profissional, uma pergunta em uma coletiva de imprensa ou o contato com uma fonte.

O assédio fica mais intenso quando uma conta com centenas ou milhares de seguidores posta uma crítica ou mesmo dá o pontapé inicial à avalanche de insultos. Quando o autor da crítica ou ataque tem vinculações com governantes ou partidos, grupos que militam politicamente nas redes sociais agem de forma articulada, procurando desacreditar o profissional e a informação publicada.

O jornalista Leonardo Sakamoto (UOL/Repórter Brasil), o colunista de O Globo Ancelmo Gois, as repórteres Natália Portinari (Época) e Isadora Peron (Valor Econômico) são exemplos recentes de profissionais que tiveram de lidar com ofensivas nas redes. Em todos eles, o ponto de partida foram refutações públicas às suas reportagens, em alguns casos em meio a ofensas pessoais.

Após a publicação de “A história de Lulu Kamayurá, a índia criada como filha pela ministra Damares Alves” em 31.jan.2019, a foto de Portinari passou a circular com a acusação de que teria invadido aldeia indígena para fazer a apuração. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, também publicou crítica aos jornalistas que assinam a reportagem, qualificando-os como “mal informados” e levantando suspeitas sobre seu caráter. 
Foto: reprodução/Twitter

Em 30.jan.2019, Ancelmo Gois publicou uma nota sobre a retirada de vídeos relacionados a filósofos e temas de esquerda do site do Ines (Instituto Nacional de Educação de Surdos). Ao negar envolvimento com o fato  por meio de nota pública, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que Gois “foi treinado em marxismo e leninismo” pelo Partido Comunista Soviético. A partir da publicação da nota, o jornalista passou a ser qualificado como produtor de fake news em postagens que alcançaram mais de 2 mil perfis.

As agressões verbais contra Leonardo Sakamoto, por sua vez, começaram depois de ele publicar em seu blog, em 27.jan.2019, uma reportagem sobre possíveis efeitos da mais recente Reforma Trabalhista sobre indenizações por danos morais a vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). Segundo fontes entrevistadas pelo jornalista, a reforma limita o valor das compensações desse tipo.

O economista Pedro Fernando Nery publicou em sua conta no Twitter uma crítica ao título do texto, que havia sido compartilhado pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT-SP): “Manchete do Sakamoto enganosa. Quanto oportunismo!”. A postagem de Nery não deixa claro se a acusação de oportunismo se dirige a Sakamoto ou Haddad. Contatado, o economista não respondeu até a publicação desta reportagem.

A partir da postagem, veículos de mídia identificados com a direita passaram a distribuir textos e imagens qualificando a reportagem como fake news. As redes sociais do jornalista foram inundadas por agressões verbais: “lixo”, “abutre oportunista”, “mau caráter” e sugestões para que deixe o país junto com o deputado federal Jean Wyllys. O congressista anunciou ter desistido de assumir o mandato por causa de ameaças à sua vida. “Críticas e o debate educado fazem parte da democracia. Mas esse é um caso exemplar de como parte das pessoas, guiada pela desinformação, destila ódio sem ler ou tentar entender o que leu”, diz Sakamoto.

Para Natalie Southwick, coordenadora do Programa para as Américas do Sul e Central do CPJ (Comitê de Proteção a Jornalistas), “rotular jornalistas e meios de comunicação como fake news é absolutamente prejudicial à segurança de jornalistas, à liberdade de imprensa e à sociedade como um todo”. De acordo com ela, esse tipo de prática cria um clima de auto-censura. 

Southwick aponta que é uma “retórica especialmente popular entre líderes autoritários ao redor do mundo, da Venezuela à Turquia, passando pelas Filipinas, que a usam para se imunizar contra a cobertura midiática crítica”.

O exercício de atividades típicas da profissão é outro gancho frequente para enxurradas de ofensas nas redes. A imagem da repórter Isadora Peron fazendo uma pergunta ao ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, em uma coletiva no último 4.fev.2019 circula nas redes com comentários depreciativos (“desinformada jornaleira militante”). 

Também nesse caso, Eduardo Bolsonaro engrossa as fileiras ao repercutir a postagem para seus mais de 1 milhão de seguidores, insinuando que a pergunta da repórter seria uma manifestação favorável a bandidos e contrária a policiais. “Anta”, “lixo”, “retardada” e comentários sobre a aparência da jornalista se seguem à postagem. Ao se reunir com uma fonte em local público, o comentarista da GloboNews Octavio Guedes foi difamado nas redes. Uma foto em que Guedes aparece almoçando com o procurador-geral do MP-RJ Eduardo Gussem circulou associada a textos com insinuações de que estaria  “recebendo informações sigilosas do chefe do MP/RJ”.

Mesmo após o profissional esclarecer que o contato com fontes é parte do processo de apuração jornalística, postagens insinuavam que o encontro levou a GloboNews a “reduzir drasticamente” os “ataques” ao senador Flávio Bolsonaro. O parlamentar é citado em investigações do MP-RJ sobre movimentações bancárias atípicas feitas por Fabrício Queiroz, um de seus assessores quando era deputado na Assembleia Legislativa fluminense.

Sem motivo específico
Há ainda ofensivas não motivadas diretamente por reportagens. Juca Kfouri, colunista da Folha de S.Paulo e do UOL, recebeu ameaças na caixa de comentários de seu blog. Em janeiro, Kfouri divulgou as ameaças e o autor delas. José Emílio Joly Júnior escrevia mensagens como “Um dia vou cruzar na sua frente e te encher de porrada na cara!” e “Sou ex-militar / (PELOPES - Pelotão de Operações Especiais), e consigo achar qualquer animal nem que seja no inferno!”. O jornalista denunciou o caso ao Ministério Público e à Delegacia de Crimes Cibernéticos.

Em um post de 30.jan.2019 no Twitter, Carlos Bolsonaro, outro dos filhos do presidente e vereador no Rio de Janeiro, pergunta a seus seguidores: “Alguém conhece esse tal de @cafecomkremlin que anda curtindo tweets em prol de lulla?”. O perfil é do jornalista Sandro Fernandes, brasileiro atualmente em Bruxelas. Foi a deixa para centenas de xingamentos - incluindo comentários homofóbicos - e ameaças ao profissional tomassem seu perfil. Uma das ameaças foi feita por Flavio Pacca, ex-candidato a deputado federal pelo PSC-RJ e instrutor de tiro da Polícia Civil do RJ.

Comentários depreciativos sobre a imprensa ou agressões verbais a jornalistas são frequentes na atividade on-line do vereador: 42% dos 273 tuítes publicados por Carlos Bolsonaro em janeiro de 2019 tiveram esse conteúdo.

Postagens questionando a qualidade do trabalho de jornalistas a partir de informações privadas e erradas circulam desde 5.fev.2019. O deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) reproduziu uma montagem que inclui a foto de uma jornalista homônima à repórter Marina Dias, da Folha. O post não está mais disponível on-line.

Outros profissionais são alvos costumeiros: cada postagem de Reinaldo Azevedo (BandNews FM/RedeTV!), Miriam Leitão (O Globo/CBN), Marcelo Lins (GloboNews), Monica Bergamo (Folha de S.Paulo) e Vera Magalhães (Jovem Pan) é seguida de centenas de comentários agressivos. No caso das jornalistas, o conteúdo de muitos é sexista.

“Jornalistas atuam na esfera pública e é normal que sejam objeto de crítica”, comentou o presidente da Abraji, Daniel Bramatti. “Mas muitos ataques têm claro objetivo de intimidar os profissionais e reduzir o impacto de informações publicadas por eles. Isso obviamente causa danos aos jornalistas, mas também à sociedade, já que um ambiente marcado pela intimidação não condiz com a liberdade de informar e ser informado. Em resumo, quando um jornalista fica acuado, quem mais perde é você.”

A Abraji lançou em 2018 uma cartilha com orientações para jornalistas que são vítimas de assédio virtual.

Notícia publicada originalmente em 7 de fevereiro de 2019 no site da Abraji.

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