Ana Cañas: ‘O país me fez olhar e pensar: não dá pra continuar falando só de amor’
À Ponte Jornalismo, cantora fala sobre feminismo, sexualidade, lugar
de privilégio e luta antirracista.
Eu procurei os manos do Instituto, o Rica Amabis e
Tejo Damasceno, que trabalharam com Sabotage, Criolo e
mais um monte de gente foda, e ali já foi uma mudança, ali já tinha beat
eletrônico, um flerte com rap. Eu não sou uma rapper, eu sou uma cantora, a
melodia é a minha vida, mas teve a mudança do flow, das ideias, umas
letras maiores, politicamente. Fizemos o clipe com 86 mulheres, como Elza Soares, Maria da Penha, Eliane Dias… várias minas fodas, então essa mudança
começou aí.
Quando eu parei pra gravar o disco, eu falei: “É essa parada eletrônica mesmo”. Eu
tava trampando com um menino que não tinha feito disco nenhum, o Thiago Barromeo,
ele tinha uma mesa MPC, eu comecei fazer umas demos e eu pirei pra fazer esse
disco, eu fiz umas 60 demos, fiquei um ano gravando e encontrei essa linguagem
nova.
Por Paloma Vasconcelos e
Vinícius Vieira – Ponte Jornalismo
02/11/2019
Na
cena musical desde 2007, Ana Paula Hipólito Cañas, artisticamente
conhecida como Ana Cañas, está em uma nova fase de sua carreira. Aos 39 anos, a
cantora foi indicada ao 20º Annual Latin Grammy Awards na categoria “Melhor
Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa” pelo seu disco "Todxs",
lançado em 2018. Nesta sexta-feira (1º), ela lançou o clipe de “Tão sua”, uma
das faixas do último trabalho, que fala sobre a libertação de padrões do
corpo.
Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo |
Ana
ficou nacionalmente conhecida depois do dueto com o cantor Nando Reis, antigo
integrante do Titãs, na canção “Pra você guardei o amor“, lançado em 2009. Dez anos depois, Cañas mostra que os
rumos do país promoveram nela uma mudança significativa: “Eu vou falar de amor?
Fazer uma nova Pra Você Eu Guardei o Amor? As pessoas estão morrendo,
cara!”, crava Ana à Ponte.
Era
uma tarde chuvosa quando Ana Cañas encontrou a reportagem em um café, dentro de
uma livraria na região dos Jardins, na região central de São Paulo, para falar
sobre feminismo, sexo, sexualidade, militância, privilégios, luta antirracista
e a sua nova fase musical.
A
sua aproximação com o movimento hip hop e o entendimento das lutas do feminismo
negro tomaram a maior parte do tempo da entrevista. Ana também falou sobre a
importância da empatia nos dias de hoje e como entender o seu lugar de escuta
nas lutas que assumiu.
“Eu
não nasci uma pessoa preta, eu não sou uma mulher trans, eu não sou gorda, mas
eu não necessariamente preciso viver aquela realidade pra entender a luta
desses movimentos, e na verdade eu estou em uma posição de privilégio, como mulher
branca, bissexual, eu não sofro as mesmas opressões que mulheres lésbicas que
são casadas, eu sou uma mulher super privilegiada”, ponderou.
Confira
a entrevista:
Ponte
– Muito se tem falado que Ana Cañas está diferente, mas a diferença já começa
no estilo da sua música. Você surgiu sob a alcunha de “Nova MPB”, com uma
música sofisticada que flertava diretamente com o jazz. Hoje, com o seu novo
disco “Todxs”, sua música ressurge com batidas eletrônicas. De onde veio essa
mudança?
Ana
Cañas – A virada mesmo foi com o single "Respeita". Eu vi um
documentário na Netflix, chamado Hip Hop Evolution, fiquei tão tocada e
comovida com a história do hip hop, que eu sentei e falei: “Eu preciso escrever
essa música, que eu tô pra escrever há 20 anos”, que era pra falar sobre o
assédio que sofri, sobre violência contra mulher. Aí eu sentei e escrevi "Respeita" de
uma vez só: foi uma letra de três folhas de sulfite, e inspirada pelos caras do
hip hop dessa série.
Um
ano e meio depois da prisão do Lula, eu escrevi uma música, que era inspirada
em uns sambas da Nara Leão, aquela coisa mais politizada, das parcerias que ela
fez com o Zé Keti. A música se chama "Viverei" e fala sobre a prisão
política, mas ali, naquele momento eu já entendi que não era mais aquilo. Eu
fiz a música, a gente fez um clipe gravado na ocupação Nove de julho, a Preta
Ferreira, minha mana, que produziu esse clipe. Filmamos na feira da Reforma
Agrária do MST, no Parque da Água Branca, que hoje está proibida, o
“Bolsodoria” proibiu.
E
como foi esse processo de mudança?
Foi
um processo difícil, porque transição de estética é uma coisa delicada. Pode
dar muito errado se não tiver verdade, se você não estiver no seu propósito.
Mas foi a primeira vez também que eu fiz um disco com processo aberto. Eu ia
mostrando para os amigos, fazia umas cervejadas lá em casa e botava o disco. Eu
fui sentindo que a galera tava curtindo muito, aí eu tive certeza que esse era
o caminho. Trabalhei com o Munari, do grupo de rap SNJ, fui juntando o pessoal responsa do rap, que
chegou pra fazer umas bases, e eu achei que a estética era essa meio
minimalista, orgânica, mas com beats eletrônicos.
Agora,
nesse exato momento, eu estou vivendo uma revolução em relação a isso, porque
eu estou fazendo show com DJ. Eu não faço o meu show com banda, até por uma
questão econômica. Eu não consigo viajar mais com dez pessoas, não é possível
no Brasil de agora, o contratante não tem como pagar dez passagens. Então tem a
versão do meu show que é pocket com DJ, que conta com a Mônica Agena na
guitarra, que tocou no grupo de reggae Natiruts por 10 anos, e com o DJ Nato,
que é lá de São Mateus, da quebrada, um cara foda também, tocou com todo mundo
do rap.
E
como está a releitura do seu repertório antigo nessa nova roupagem musical?
A
gente fez alguns remix, tô levantando ainda "Esconderijo" e "Tô na Vida". Fizemos uma versão pra Joana Dark, da Ava Rocha. Fui colocando umas
versões de funk, alguns elementos de funk, porque eu tô muito interessada no
movimento do funk e na linguagem do funk, na questão da sexualização dos corpos
femininos na quebrada.
Eu
estou em um momento muito contente, de linguagem mesmo. Se você for ouvir as
100 músicas mais ouvidas no Spotify, nível mundial, não tem mais uma porra de
uma música orgânica, não tem, é questão de linguagem. Essa música de hoje, do
nosso tempo, da mente fragmentada da internet, é uma coisa eletrônica, e eu,
particularmente, gosto muito, curto pra caramba esse som.
Nessa
sua mudança musical teve também muita mudança de público?
Tem
um público novo chegando, que veio da militância, gente que não conhece a minha
música, nunca foi no show, mas que tem afinidade com as minhas ideias, em
relação ao ativismo das minorias. Por causa do meu trabalho na causa
antirracista, muitas pessoas pretas vão ao meu show, e eu acho maravilhoso.
Troco muito ideia com as pessoas pretas, com as pessoas trans, com as pessoas
LGBT+, de entender quais são as pautas. Eu acho que a ideia de democracia
verdadeira é essa, a ideia de empatia.
Eu
não nasci uma pessoa preta, eu não sou uma mulher trans, eu não sou gorda, mas
eu não necessariamente preciso viver aquela realidade pra entender a luta
desses movimentos, e na verdade eu estou em uma posição de privilégio, como
mulher branca, bissexual, eu não sofro as mesmas opressões que mulheres
lésbicas que são casadas, eu sou uma mulher super privilegiada, apesar de ter
tido uma vida muito difícil, eu trabalhei muito duro pra construir a minha
carreira, mas eu não sei o que é ser discriminada pela cor da minha pele, então
eu tento fazer um exercício de conhecer as realidades, de ir no MST, de ir na
quebrada, na Cooperifa, na ocupação, conversar com as outras pessoas, e usar a
minha voz, a minha visibilidade, pra ajudar nas causas.
Você
que fazia parte da MPB, era comum não ter negros na plateia dos seus shows
antigamente?
Era!
Por isso que eu estou muito feliz com essa mudança de público. Tem muitas
pessoas pretas, pessoas trans, travestis… Eu estou vendo uma diversidade na
minha plateia, que é ressonância com as coisas que eu venho dizendo. Eu sempre
questionei esse termo MPB, porque além da música não ser popular, ser uma
música elitizada, esse termo é cunhado a partir de um violão de nylon e de um
cancioneiro masculino, você tem ali Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton
Nascimento, João Bosco, João Gilberto.
A
minha geração, que era formada pela Céu, Karina Buhr, Tulipa Ruíz, Roberta Sá e
Mariana Aydar, era tida como a “nova MPB”. Deveria se chamar a “Nova MPB
branca” né? [risos]. Mas graças a Jah isso tá mudando muito, hoje temos muitos
expoentes da música negra. A minha música vai refletindo o que eu estou
vivendo. Tem artistas que fazem a mesma música sempre, mas eu tô pra ala mais
do Arnaldo Antunes, do Ney Matogrosso, que são artistas que se desconstroem e
reconstroem. O próximo o disco eu já sei que vai ser uma continuação do Todxs,
em uma incursão ainda maior pela música eletrônica, provavelmente vão surgir
elementos do funk.
Eu
quero trabalhar com o DJ Zé Gonzales, então já tô vislumbrando, já são novas
esferas que vão entrar no trabalho. Eu tenho escutado muito funk periférico,
como a Mc Carol. Eu assisti a série Sintonia [da
Netflix] e eu amei. É a realidade como ela é, e essa é a grande virtude da
série, mostrar a realidade da quebrada como ela é, mas no diálogo, nas
histórias, nos acontecimentos… o KondZilla tem
muito mérito em ter feito isso.
As
pessoas andam dizendo que você anda muito feminista, mas o feminismo sempre
esteve presente na sua música. Tanto que no disco "Tô na Vida" tem a
música "Mulher" que é bem feminista.
Mas
isso tem desde o primeiro disco. Se você for analisar a música Devolve
Moço, que é uma música ingênua, ela é feminista, ela fala: “Existe aqui uma
mulher. Uma bruxa, uma princesa. Uma diva, que beleza! Escolha o que quiser.
Mas ande logo, vá depressa. Nem se atreva a pensar muito, o meu universo ainda
despreza quem não sabe o que quer”, é uma mensagem de cunho empoderador
feminista. Eu sou várias, eu sou múltipla, eu não sou uma coisa só. Eu gravei
também "Super Mulher", do Jorge Mautner, gravei "Volta", que é uma canção
bastante sexual. Eu fiz um clipe, na época, totalmente nua e não pude lançar. O
feminismo existe há séculos, mas eu acho que a primavera feminista que a gente
vive de junho de 2013 pra cá é um epicentro de ideias feministas, como foi na
década de 1970 e também em 1920.
E
você saberia nos dizer em qual momento a artista Ana Cañas começou a se tornar
mais ativista e feminista em seu trabalho musical?
Foi
quando eu gravei o clipe do "Respeita". As várias mulheres que participaram
do clipe são lideranças de movimentos sociais, então elas me convidaram pra ir
nos movimentos. Eram diversos movimentos, tinha movimentos das catadoras e
recicladoras de lixo, as casas que acolhem mulheres trans, entre outros. Fui
conversar com a Elaine Dias, na Boogie Naipe, e foi ali que nasceu tudo.
Mas
eu acho que a racha mesmo foi quando eu cantei pro Lula, do lado dele, muito
antes de ele ser preso. Eu acompanhei todo o processo, nem se falava em Lula
preso, ainda tava rolando o impeachment da Dilma em 2016. Na época já tava
rolando vários atos “Fora Temer” e eu queria participar desses atos, mas
escolhiam um casting de artistas de grande visibilidade e eles nunca me
chamavam. Até que um dia recebi um telefonema de um assessor do PT falando que
iria ter um ato do Lula na Avenida Paulista e perguntou se eu queria ir, eu
aceitei na hora.
Nisso
eu estava em cima do trio elétrico vendo as pessoas, tava o Fernando Haddad, o
Guilherme Boulos, a Manuela D’avilla, o Eduardo Suplicy, o Ivan Valente. Aí
chegou o Lula e ele veio na minha direção e disse: “Minha filha, o que você vai
cantar?”, e eu respondi: “Eu não vou cantar nada, eu não estou com o violão
aqui, eu não fui chamada pra cantar”, e ele continuou “Você vai cantar sim”, aí
eu disse: “Olha, a única música que eu poderia cantar agora a capela é o Bêbado
e a Equilibrista”.
Foi
aí que começou o movimento de prisão política do Lula e fui acompanhando tudo.
No dia que saiu a condenação eu estava com o Lula em cima do trio elétrico na
Praça da República (SP). E nesse dia só estava eu de representante da classe
artística, e eu pensei: “Caralho, to enfiada nisso até o fim”, porque se teve
um dia que era importante eu estar ao lado dele, era naquele dia. No dia que
ele foi preso e chegou em Curitiba, eu estava lá e fiz um show na porta da
Polícia Federal, cercada pela tropa de choque.
Ana em ato de apoio a Lula, na Praça da República (São Paulo), em 24 de janeiro de 2018. Foto: Mídia Ninja |
Existe
no nosso país o que podemos chamar de antipetismo, ou, até mesmo, antilulismo.
Essa sua aproximação com o Lula chegou a afetar negativamente a sua carreira?
Você perdeu contrato de shows? Os fãs se voltaram contra você?
Perdi
contrato de shows sim, perdi muitos seguidores. Eu lembro que aconteceu desde a
primeira foto que eu postei ao lado do Lula, e nem tava rolando o movimento da
prisão e nem nada, mas o antipetismo estava crescendo. A gente tem que entender
que esse antipetismo é uma coisa enrustida, eu vejo muito uma coisa da classe
média alta querendo manter os seus privilégios também. Ela usa o antipetismo
como desculpa para camuflar os seus preconceitos, porque essas pessoas têm ódio
de pessoas pobres, de pessoas pretas, elas não querem dividir aeroporto, elas
não querem ver essas pessoas ascendendo socialmente, então elas inventam esse
antipetismo de que o PT roubou e acabou com o Brasil. Isso é um discurso
enrustido, se você for sentar e estudar isso, vai ver que nada disso é real, é
um discurso de preconceito, de ódio e funcionou, foi o que elegeu o Bolsonaro.
E
você vê como o machismo, o racismo, a misoginia e a homofobia é estrutural no
nosso país, tá tudo na formação da nossa identidade, o sistema foi construído
dessa forma. O contratante fecha um show teu, aí ele descobre que você é
ativista, aí ele inventa uma desculpa do tipo: “Olha, o show não vai mais acontecer”,
e faz o show com outra cantora que não faz militância.
Perdi,
provavelmente, muita oportunidade de negócios, de publicidade, coisa que nunca
foi o meu forte também. Com o tempo, foi chegando uma outra galera, interessada
em um artista que tava fazendo algo, até porque muitos artistas ficaram calados
e estão calados até hoje. Eu acho que eu tenho obrigação e o dever moral e
espiritual de usar a minha voz pra denunciar tudo que está acontecendo aqui.
Portanto, ao mesmo tempo que eu perdi algumas coisas, eu ganhei outras.
Dias
atrás eu fui fazer um show em Uberlândia (MG), aniversário de 131 anos da
cidade, e já começaram nas redes: “Ana, é cidade bolsominion”, eu pensei: “Bom,
gente, eu não posso fazer nada”. A prefeitura da cidade é de direita, mas aí eu
penso, por que me contrataram? Talvez eles gostem de Esconderijo ou Pra
Você Guardei o Amor, mas e se na verdade eles quiserem me dar um tiro? Era um
show aberto para 5 mil pessoas, fiquei pensando se devia ir, mas fui. Peguei a
van, fui pra lá, fiz o show e foi foda.
Tinha
um público enorme, um público jovem, aliás, e se fala no show na cidade até
agora. Fiz uma hora de show cravado, fazendo discurso que os homens tinham que
aprender a chupar boceta, falando de equidade, da legalização da maconha,
denunciando o genocídio do povo preto. Todas essas frases têm no show.
Mas
já te aconteceu algum caso recente de uma reação diante do discurso?
Na
Bahia teve um cara que jogou um ovo no palco, no meio da quarta música um ovo
atravessou o palco. Poderia ter sido uma pedra, poderia ter sido um tiro,
porque eu tenho cantado em lugares grandes, abertos, não tem revista de
segurança, se o cara chegar lá com uma arma na bolsa, já era. A minha mãe acha
que eu vou morrer todo dia, ela acha que alguém vai me dar um tiro, vai me
calar, porque todo dia eu tô falando algo. E eu respondi que se eu morrer, vai
ser com a certeza que eu estava fazendo o que estava no meu propósito. Do que
adianta você estar rico ou milionário, sem fazer crítica em quem está nessas
duas posições, mas sendo só um entertainer? Eu nunca fui uma entertainer,
eu sempre fui uma pessoa que gosta de questionar o sistema.
Dinheiro
pra mim nunca foi o propósito, é lógico que é ótimo ter dinheiro, pra pagar o
seu aluguel e ter comida na sua geladeira. Eu já distribuí muita comida na rua
pra moradores de rua. Foi em 2016, durante o ano inteiro, eu fazia 100 lanches,
colocava na mala, ia pra Paulista de madrugada, sozinha, a 1h da manhã e eu
ficava ali duas, três horas, dando lanche, trocando ideia com os moradores de
rua, entendendo um monte de coisa da realidade dessas pessoas, da adicção das
drogas, porque o meu pai também foi alcoólatra, aí eu voltava pra casa e eu via
que eu tinha água quente no chuveiro, uma cama e comida na geladeira e que eu
podia pagar o meu aluguel, eu tinha o meu privilégio. Foi uma coisa de sair da
minha bolha.
Eu
quero botar a minha voz a serviço de algo, mas, ao mesmo tempo, é difícil,
porque tem que balancear, porque eu não quero ser vista só como uma ativista,
como uma pessoa militante, embora todas as entrevistas que eu tenha dado, tenha
sido só sobre isso, por causa do momento que a gente tá vivendo. Aí eu lancei um
disco no ano passado, eu vou falar do quê? Eu vou falar de amor? Fazer uma
nova Pra Você Eu Guardei o Amor? As pessoas estão morrendo, cara!
Você
citou o fato de que entregar lanche para os moradores de rua ressuscitou o seu
ativismo pessoal, mas antes de você se tornar cantora, você fazia faculdade de
artes na ECA e você morava em um pensionato só com garotas de programa. Talvez
não seja ali que iniciou todo seu ativismo?
Na
verdade, acho que já começou na infância. A primeira peça teatral que eu
escrevi na escola, com 14 anos, já tinha um ativismo. Era uma sátira do Jornal
Nacional, de como eles eram arbitrários nas matérias, e tinha um quadro dentro
dessa peça que era sobre o MST, foi um negócio 20 anos antes de eu parar dentro
do MST e fazer um show na Escola Florestan Fernandes. Eu sempre fui uma pessoa
questionadora. Eu tenho quatro irmãos homens, então eu sempre entendi a
opressão dos homens.
Eu
saí de casa cedo, com 17 anos, primeiro eu fui morar com a minha avó na Cidade
Dutra, só que lá levava três horas pra chegar de busão na ECA. Aí eu fui morar
em um pensionato, que era mais perto da USP. Lá só morava garotas de programa e
eu levei meses pra descobrir que as mina faziam programa, eu era tão ingênua,
eu não sacava. Até que um dia eu tava na rua e uma delas estava na esquina
fazendo programa, eu cumprimentei ela e perguntei o que ela estava fazendo ali,
e ela respondeu: “Tô ganhando o pão, né, amiga”, e foi aí que eu comecei a
trocar ideia pra caralho com ela, perguntar da realidade delas, como que era,
todas eram abandonadas pela família, muitas acabam fazendo isso por questão de
sobrevivência, muitas eram nordestinas.
A
importância da classe artística hoje é a mesma do período da ditadura?
Nesse
momento a gente tem internet. Eu fico pensando naquela época, as pessoas sumiam
e não tinham informação de nada. A pessoa tinha que ligar pra minha casa,
perguntar se eu estava lá, era muito fácil achar as pessoas, com linha
telefônica de casa, e as pessoas sumiam, eram torturadas, estupradas dentro da
sala do DOPS e DOI-CODI e você não sabia. Eu acho que hoje a internet dá um
escopo um pouco maior de denúncia, do jornalismo, das mídias independentes. Mas
eu fico pensando, como que foi na ditadura? O meu bisavô foi assassinado em
praça pública na Espanha no governo franquista. Logo que o Francisco Franco
assumiu o poder, em 1936, ele assassinou o meu bisavô. Ele era comunista e
prefeito da cidade.
É
essa a história que a sua avó veio para o Brasil como refugiada?
Sim,
ela fugiu pra França, mas era na época da Segunda Guerra Mundial, e ela passou
fome, atravessou os Pireneus a pé no inverno. Ela comeu uma barra de manteiga e
uma lata de atum durante semanas. É a história da minha família, dos meus
ancestrais, eu tenho no meu sangue, eu cresci ouvindo essa história, de que a
minha avó viu o pai dela ser assassinado em praça pública, ela tinha sete anos
de idade. Então hoje talvez não possa mais matar como se matava sem a internet.
Mas vocês viram a proporção que tomou, a semente que virou a morte da Marielle Franco? Por mais barbaridade que tenha sido, como isso se transformou em
uma coisa positiva em sentido de luta, de militância negra, ela é um símbolo da
militância negra, principalmente para as mulheres.
A
Marielle poderia ter morrido na ditadura e ninguém saberia. A internet dá voz
às minorias e pra mim essa é a coisa mais positiva dela. Vozes silenciadas pelo
sistema. Ainda mais hoje que temos policiais chancelados para atirar, o pacote
anticrime do Sergio Moro chancela os policiais pra isso, o que o governador
Wilson Witzel está fazendo no Rio de Janeiro, atirando de helicóptero em cima
da favela. Sempre houve o genocídio do povo periférico, a gente sabe disso, mas
agora existe uma fala do chefe de Estado dizendo que isso é uma coisa que
defende o cidadão de bem.
Em
entrevista ao Jornal O Globo você falou abertamente sobre
bissexualidade, trouxe à tona comentários de homens que vê fetichismo na
relação bissexual. E a bissexualidade dentro do escopo LGBT+ não tem
visibilidade nenhuma, porque os bissexuais são vistos como oportunistas. Qual a
sua importância, como representante da classe artística, em desmistificar isso?
Eu
voltei a me relacionar com mulheres há pouco tempo, não tem nem um ano. Na
época de escola eu sofri um bullying violento, os professores me xingavam em
sala de aula, me chamavam de sapatão, de canetão. A escola inteira me zoava, eu
me lembro de andar no corredor e a escola inteira me chamar de sapatão, foi um
negócio muito violento. Eu tinha entre 12 a 14 anos de idade, foi na época que
eu comecei a namorar as meninas da escola. E hoje eu me considero uma pessoa
bissexual porque realmente eu me relaciono com homens e mulheres.
Eu
me relacionei com homens durante muito tempo, fui casada com um artista
plástico, mas, desde então, eu tenho saído com mulheres, com homens, com
pessoas, seres humanos. Existe um movimento forte de bissexuais que eu tenho
entrado em contato pelo Instagram. Eu gosto de homens e de mulheres, eu
realmente tenho atração e tesão pelos dois, acho linda mulher e acho lindo
homem, eu consigo ter relação sexual com os dois.
Você
acha que o chamado “feminismo branco” é excludente com as mulheres trans ao
afirmar que até elas assumirem a identidade trans, elas tiveram privilégios a
vida inteira por ser homem?
Eu
não concordo com esse pensamento do feminismo branco. Eu pensei sobre isso hoje
cedo enquanto tomava café na minha casa. Mulheres trans são mulheres. Mulheres
trans morrem mais que mulheres não trans, sofrem estupro também. Então elas
estão em uma linha de opressão muito maior que mulheres cis, e eu não concordo
com essa linha do feminismo excludente em relação às mulheres trans. Eu,
realmente, não estou de acordo com isso.
O
que você acha sobre as feministas radicais?
Existem
várias linhas do feminismo, vários graus de atuação, e eu acho muito importante
que ele exista porque quem rompe muros, quem faz o front, são as feministas
radicais. Mas, às vezes, o que é perigoso se esse feminismo se estabelece, ele
fala para um público nichado que são as mulheres que já são feministas.
Mas
muitas vezes o feminismo radical não pode acabar sendo racista, porque fala que
os homens negros são incluídos no mesmo balaio, e acabar sendo transfóbico
também...
Pra
mim o feminismo é sempre antirracista, antitransfóbico e antiLGBTfóbico. Como
diz o livro da Angela Davis, o feminismo nasce da luta abolicionista. Ela mesma
diz: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser
antirracista”. É inconcebível pra mim um feminismo que seja excludente, todas
as causas são aliadas. Do mesmo jeito que nós somos uma minoria política, nós
somos a maioria em corpo físico, como os negros, mas nós somos uma minoria
política quanto ao acesso a direitos constitucionais. Então é inconcebível pra
mim essa guerra dentro da própria militância. Acho que, no final, a gente tem
que se unir.
É
importante que esse feminismo exista, ele permeou muitas conquistas, momentos
de decisões históricas. Até porque são as pessoas que estão no front que
morreram e que promoveram mudanças. Isso em todos os movimentos. A própria
Marielle era uma mulher do front, muito exposta, tanto que foi assassinada, e
mesmo assim aconteceu uma coisa muito bonita, que ela se tornou um símbolo de
luta.
A
deputada estadual Érica Malunguinho, pra mim, já é um grande acontecimento.
Inclusive eu fui convidada pra fazer parte da Frente Parlamentar em Defesa da
Mulher, lá na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Só as mulheres da
política e eu lá no meio [risos]. Mas eu fui, sabe por quê? Porque eu quero
aprender sobre legislação e sobre tudo que está acontecendo.
Aliás,
o que você acha da diferença do feminismo branco e do feminismo negro?
Eu
acho que o feminismo branco precisa entender e estudar o feminismo preto. Rolou
durante muitos anos, décadas, um epistemicídio mesmo, a morte da produção
cultural intelectual do pensamento preto. Eu acho que feministas, não só
norte-americanas que a gente tem referência, como Angela Davis, Bell Hooks,
Audre Lorde, tem a Chimamanda Ngozi Adichie, que é a africana, mas as
brasileiras Djamila Ribeiro, Joice Berth, Juliana Borges, Conceição Evaristo…
as mulheres brancas têm que reconhecer os seus privilégios, entender que
enquanto a gente luta por várias questões, as mulheres pretas estão lutando pra
sobreviver, uma causa primária.
Se
você estudar a fundo o feminismo, você entende que ele nasce do apoio das
mulheres brancas da Casa Grande à luta abolicionista, quando elas percebem que
são oprimidas pelos seus maridos, quando elas resolvem apoiar a liberdade da
cultura escravocrata. O feminismo nem existiria se não fossem as mulheres
pretas.
Eu
busco estudar, aprender, ler as feministas negras, e eu acho que elas são um
alicerce fundamental para essa primavera que está acontecendo nos últimos seis
anos. Isso precisa ser muito reconhecido, elas são o front do pensamento
intelectual e também da militância das ruas. É o povo que é preso ou morre por
usar maconha, que é vítima do genocídio. Se você for estudar as políticas do
encarceramento em massa no mundo, em 20 anos você tinha 300 mil presos nos
Estados Unidos, e hoje você tem 2 milhões e meio de homens e 80% são pessoas
pretas.
E
aqui no Brasil são mais de 800 mil pessoas presas…
A
informação está muito mais acessível, temos os sites, perfis no Instagram. Eu
sigo vários Instagram não só da pretitude, mas de pessoas trans, pessoas
gordas, pessoas que militam do body positive para entender
tudo isso. Como diz a Preta Rara, você quer saber se você é preto? É só você
correr na frente de um policial. O racismo é tão estrutural que é muito triste
as pessoas brancas não reconhecerem os seus privilégios.
Temos
um dever de reparação histórica com o povo preto que sofreu quatro séculos de
escravidão, a gente ocupa um lugar de privilégio. E como é que eu reverto isso?
Empregando pessoas pretas. Na minha equipe, tem mulheres pretas, mulheres
trans, mulheres lésbicas, entendeu? Empoderar economicamente é uma forma de
reverter as estruturas de decisão e poder, porque sem independência econômica,
a pessoa está atada, não consegue ter voz ativa.
Além
do feminismo, você tem um lado espiritual muito forte, que fica explícito nas
suas letras. Você segue alguma religião específica?
O
alicerce grande da minha vida mesmo é a espiritualidade. Eu falo muito pouco
sobre isso, porque ninguém se interessa, mas a espiritualidade é tudo pra mim e
isso transcende religião. Eu adoro as religiões, eu respeito todas as matrizes
africanas, espiritismo. Pra mim eu entendo que existe uma inteligência maior no
universo, que orquestra as parada tudo, que as pessoas chamam de Deus, eu não
gosto da ideia de Deus porque já começa que é uma palavra masculina, pra mim
existe uma energia que opera as coisas, e pende mais pro feminino ou existe uma
equidade entre as duas, não gosto dessa ideia de Deus porque já vem do
patriarcado essa ideia de que um homem que cria as coisas.
Se
você entender que tudo que você planta, você colhe, que essa é a lei do
universo, as pessoas vão repensar as suas vidas, desde falar mal de alguém a
fazer mal pra alguém, tá tudo conectado. Se as abelhas morrerem, acabou a
biodiversidade do planeta, a abelha é um bicho pequeno, mas são elas que
polinizam o que a gente come, eu vejo tudo por esse prisma da interconexão, e a
espiritualidade pra mim é isso.
Falando
da capa do Todxs, que muita gente acha que é você, é uma imagem muito
conhecida no submundo da pornografia. Ela tem alguma inspiração na criação do
mundo e o fato do pecado ter entrado no mundo através de uma cobra?
Na
verdade, essa imagem tem várias leituras. A cobra é um símbolo fálico, mas para
a espiritualidade ela representa muitas coisas. A energia kundalini, por
exemplo, que sobe pela coluna e chega até os chacras, ela é uma cobra. Aquele
símbolo da medicina é uma cobra. Para o mundo cristão católico apostólico
romano, careta, excludente e opressor, a cobra é um símbolo fálico, que
representa um ser que entrega a maçã pra Eva, então a cobra tem tudo a ver com
isso, e eu acho muito interessante que nessa imagem a cobra esteja dando o
bote, porque o patriarcado quer vender essa ideia que a mulher ideal é a mulher
passiva, é a mulher submissa, é a mulher que não pensa, a mulher que não age, a
mulher que atura qualquer coisa, então nessa imagem a cobra está dando o bote,
ela tá bem no lugar da boceta.
Foi
uma imagem que quando eu vi, logo pensei que essa imagem era tudo que eu estava
dizendo nas letras, foi um achado e eu não sei de quem é a foto, eu liguei até
na Suécia atrás do cara, mas não era.
Além
do mais, essa cobra dando o bote é bem parecido com clitóris...
Com
certeza. Na verdade, os homens não comem as mulheres, a gente que come os
homens, no sentido que a gente acolhe as coisas, a gente tem um útero, a gente
gera vida, o útero está conectado aos ciclos da natureza. A gente ouve muito
essa frase: “Vou comer a mulher”, “A mulher que eu estou comendo”. Não! Se tem
alguém que está comendo alguém somos nós que estamos acolhendo o falo.
E
fora isso a gente precisa ressignificar toda relação sexual heteronormativa,
porque a gente tem uma ideia que ela termina com o gozo masculino, por exemplo,
isso precisa ser ressignificado, é um baita tabu na sociedade até hoje a mulher
que goza, a mulher que sente prazer, falar de orgasmo.
Um
estudo da Universidade de Chicago em 2010 afirmou que 80% das mulheres nunca
tiveram um orgasmo na vida…
A
gente precisa divulgar essa informação, porque o orgasmo é libertação, tem
tantos vieses: de libertação, empoderamento, autoconhecimento, consciência, de
quebrar esse padrão sistemático de opressão do patriarcado. Uma relação sexual
precisa ter equidade. Eu também gozo, o meu gozo é tão importante quanto o seu,
você também tem que aprender a conhecer o meu corpo e a me fazer gozar, o tanto
quanto eu sei fazer você gozar.
E
por que os homens não sabem fazer sexo oral?
Porque
crescem vendo filme pornográfico. Você já viu em algum filme pornográfico o
cara chupar a mulher e ela ter um orgasmo? Além da sexualidade feminina não
existir na pornografia, a mulher é tida como um objeto sexual igual a uma
boneca inflável. A mulher não tem pensamento, não tem sentimento, não tem
cognição, não tem fala e não tem articulação. Ela só serve pro cara enfiar a
pica dentro dela. A pornografia é a destituição da humanidade, ela é o oposto
do erótico.
A
Audre Lorde tem um ensaio genial sobre isso. A pornografia é a exaltação dessa
objetificação máxima do corpo feminino. Quando você me pergunta “por que os homens
não sabem chupar uma boceta?”. Eu te digo: porque eles são filhos do
patriarcado. Crescem vendo pornografia e reproduzem esses mecanismos.
Os Titãs tem
uma música chamada Isso Para Mim é Perfume, escrita pelo Nando Reis, que
no refrão ele fala explicitamente sobre a ejaculação masculina. Por que isso é
normal, mas a Ana Cañas cantando sobre o orgasmo feminino é chocante?
Porque
a sexualidade feminina é tabu. Porque nessa música o Nando está falando do
esperma masculino, ele tá falando pros homens, ele tá falando do gozo
masculino. E o contrário gera espanto. “Nossa, mulher goza”, sendo que o
clitóris tem muito mais terminação nervosa do que a cabeça do pau, isso já é
comprovado. O patriarcado quer a mulher submissa, caladinha, sentadinha,
lavando a louça, a bela, recatada e do lar. Só que não, a gente tá aí no front,
nós nos profissionalizamos, nós estudamos, nós votamos, nós lutamos pra ter
todos esses direitos, as feministas lutaram pra poder estudar, pra poder
trabalhar, pra poder votar, e a gente vai continuar lutando pelo direito de
tudo, porque vocês homens têm esses direitos.
Ser
a dona do seu próprio selo, te deu mais liberdade pra fazer um disco tão
político quanto o Todxs?
Esse
disco não sairia por gravadora nenhuma. Eles têm um processo de pedir demos, de
ouvir o que você vai gravar. Eu já saí logo da Som Livre, porque eu tinha
certeza que eles não iriam topar esse disco, nenhuma gravadora iria topar. Mas
ele deu 1 milhão de streamings em três meses só no Spotify. E falta
também a gravadora ter a mentalidade de entender o seu tempo. E outra: todas as
decisões de poder, dentro de uma gravadora, tanto o diretor artístico,
presidente, é tudo ocupado por homem branco e cis. Então como que o cara vai
entender uma música como Lambe-Lambe, Todxs ou Eu Dou? Ele não
entende. Então é foda. Mas tem fronteiras que você tem que cruzar
sozinha.
Hoje
você tem uma equipe feminina te acompanhando nos shows?
Sim.
Um total de 70% de mulheres, ainda tem homens na minha equipe. E a minha ideia
é não banir os homens da equipe.
Mas
a parte artística musical é muito masculina, não é?
Não
é só o meu disco, é o disco de todas as cantoras. A Karina Buhr, que também é
super feminista, quem que produz o disco dela? Um homem. Quem produz o disco da
Céu? Um homem. Quem produz o disco da Gaby Amarantos, da Pitty? Tudo homem.
Hoje
a gente está na mão desse mercado que não forma produtoras. Agora que a gente
tá vendo um expoente de minas produtoras que estão chegando, eu mesma já me
informei de uma DJ, eu vou sacar qualé o som dela. Cabe a nós fortalecer as
manas, fazer as manas.
No
começo da entrevista você disse que mesmo sendo ativista não queria ser vista
apenas dessa forma. Não chega um momento que te incomoda não falar de música e
da sua carreira nas entrevistas?
Não
me incomoda, pelo contrário, eu sou agradecida por ter o espaço que eu tô
tendo, pra dar voz a essas coisas que precisam ser ditas. Eu sei quem eu sou,
eu sei da minha música, quando eu estou no palco, a música prevalece, por mais
que eu tenha falas políticas, as pessoas cantam as minhas músicas. Eu sei que
eu sou reconhecida como uma cantora, compositora, mas eu acho que pelo momento
que a gente vive hoje, com esse governo fascista, ficaria até vazio eu usar um
espaço dentro da Ponte pra falar só de música. Não que não
seja um assunto suficiente em si, lógico que é, mas nesse momento que a gente
vive, de todo recrudescimento de direitos, é importantíssimo. Eu prefiro ceder
o espaço pra falar da minha música e falar de pessoas que estão sendo mortas, é
muito mais importante eu falar sobre isso, nesse momento.
É
uma questão de você refletir os tempos que você vive. E eu considero até uma
responsabilidade muito grande vir aqui e falar essas coisas, porque eu posso
errar, eu não sou uma socióloga, uma antropóloga, apesar de eu estudar e ler
bastante, eu não sou. Eu estou aprendendo, a desconstrução é um exercício
diário.
Por
exemplo, eu aprendi alguns dias atrás que não se fala obeso, se fala gorda
maior. Eu aprendi há seis meses que não se fala igualdade, se fala equidade.
Que não é tolerância, é empatia. Tolerância é uma palavra que tinha que ser
excluída, porque significa que você está tolerando alguém. Eu não falo mais
“esclarecer” e nem “denegrir”, não falo mais também “olho gordo”, a gente tem
que perceber as expressões, as fobias que estão expressas nas expressões
populares. O próprio “Ei Bolsonaro, vai
tomar no cu” é uma expressão homofóbica. Deveria ser: “Ei Bolsonaro, vai se
fuder”.
Por
isso da importância de reconhecer privilégios, as pessoas têm que entender que
as coisas são estruturais, que muitas coisas foram dadas só pelo fato dela ser
branca. O sistema privilegia pessoas brancas, magras, héteros… Então reconheça
isso e transforme em uma ferramenta para se aliar às causas que precisa. Falta,
às vezes, virar a chave da empatia, sair da bolha. A gente precisa fazer esse
exercício de olhar para o outro mesmo, olhar pra outra realidade e se fazer
parte dela.
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