Lula criou 230 varas federais e facilitou combate à corrupção, diz juiz
Edevaldo
de Medeiros criticou caráter político da Lava Jato, após visita ao ex-presidente nesta quinta-feira.
Por Lia Bianchini - Brasil de Fato
Por Lia Bianchini - Brasil de Fato
21/03/2019
Nesta quinta-feira (21), uma comissão de 12 juízes
federais, estaduais, do trabalho e desembargadores estiveram em Curitiba (PR)
para manifestar solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Pela manhã, integrantes da comissão fizeram uma roda de
conversa sobre a conjuntura do Poder Judiciário. O debate ocorreu na Vigília
Lula Livre, que se mantém em frente à superintendência da Polícia Federal (PF)
desde o dia 7 de abril de 2018, quando Lula foi preso.
Medeiros é juiz titular da 1ª Vara Federal de Itapeva (SP). Foto: Ricardo Stuckert |
À tarde, representando a comissão, Edevaldo de Medeiros,
juiz federal titular da 1ª Vara Federal de Itapeva (SP), esteve com Lula por
uma hora.
“Tem um gigante ali dentro. Tem um homem muito forte e
corajoso. O presidente Lula está com excelente saúde. Ele é um leão”, comparou,
em conversa com militantes após a visita. “Ele não aceita outra decisão do
Poder Judiciário que não seja sua absolvição”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Medeiros falou sobre o caráter político da operação
Lava Jato desde que foi deflagrada, em 2014, analisou o papel do ex-juiz Sérgio
Moro nesse processo e fez uma defesa da função do Supremo Tribunal Federal
(STF) como “guardião da Constituição” na atual conjuntura.
Comissão de juízes da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia manifestaram apoio e solidariedade ao ex-presidente Lula. Foto: Eduardo Matysiak |
Confira os melhores momentos da conversa:
O
senhor visitou o ex-presidente Lula nesta quinta representando 12 juízes. Que
recado essa comissão levou ao ex-presidente?
Nós somos uma comissão de juízes representando a
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). São todas pessoas
que gostam muito do presidente Lula, têm muito afeto, gratidão por ele, por
várias razões. Nós queremos nos solidarizar com ele, humanamente, porque a
gente sabe que ele está sofrendo muito.
Eu, particularmente, tenho gratidão muito grande pelo
trabalho que ele fez contra a corrupção no Brasil. A Polícia Federal nunca foi
tão forte quanto foi quando ele era presidente. Ele prestigiou o Ministério
Público como nenhum presidente antes dele tinha feito.
Ele nomeou sempre para o cargo de procurador-geral da
República o escolhido em primeiro lugar na votação da ANPR [Associação Nacional
dos Procuradores da República], e isso é um grande prestígio, na minha opinião,
para o Ministério Público.
Lula criou 230 varas federais no Brasil inteiro, e isso
reflete diretamente no acesso à Justiça. São muitas varas, e isso também
facilitou o combate à corrupção. Então, nesse sentido que a gente vem oferecer
nosso abraço ao presidente Lula, de amor mesmo, e de gratidão.
O
Lula foi preso no âmbito da Lava Jato. A operação tem início em 2014, ano de
eleições presidenciais; em 2016, ano em que a presidenta Dilma Rousseff foi
deposta, a Lava Jato tem recorde de etapas (16 fases ao longo do ano); já em
2018, o líder nas pesquisas eleitorais para Presidência da República é preso. É
possível dizer que a Operação Lava Jato tinha um objetivo político desde o
início?
Olha, eu tenho muita reticência com relação a essas
investigações que a polícia dá nome e chama de “operações”, sejam elas quais
forem. O Código de Processo Penal não trabalha com essa entidade midiática
chamada operação. Ele trabalha com investigação, e essa é a linguagem jurídica.
A investigação é feita dentro de um processo penal e depois se torna um
processo criminal.
Essas operações, que recebem os mais variados nomes lá
dentro da polícia, têm um caráter midiático, de propaganda da Polícia Federal.
É uma entidade fictícia, mas que provoca uma reação no povo, e esse parece ser
o interesse.
Eu não simpatizo com isso, e nas minhas decisões nunca
faço referência a esses nomes que a polícia dá. Eu faço referência ao número do
inquérito, do processo. Essa operação, chamada Lava Jato, tem inspiração na
operação Mãos Limpas, da Itália. É fora de dúvida que a operação Mãos Limpas
interferiu no processo político italiano, e mesmo lá não deu certo.
Leia também: Juristas internacionais criticam 'caráter desleal e parcial' de processo contra Lula
Leia também: Juristas internacionais criticam 'caráter desleal e parcial' de processo contra Lula
A Itália não é um exemplo de Estado Democrático de
Direito, mas sim, é um país muito corrupto. A crítica que eu sempre fiz a esse
tipo de procedimento, de copiar uma coisa de outros países, é que tem que
copiar coisa que dá certo. A gente tem que copiar o que se trabalha em matéria
de Direito Penal e de Processo Penal nos países que têm baixa população
carcerária, onde há menos corrupção.
Agora, a antevisão de que ela teria esse viés político,
eu acho que era possível diante do que aconteceu na Itália. Parece também que
isso acabou se confirmando com a saída do juiz Sérgio Moro, que se torna
ministro [da Justiça] do candidato que se beneficiou, vamos dizer assim, desse
estado de coisas.
Como
o senhor avalia a atuação de Moro enquanto juiz da operação Lava Jato e, agora,
como Ministro do governo Bolsonaro?
Eu não vou fazer uma crítica direta à atuação
profissional do ex-juiz, porque poderia ser uma falta de ética da minha parte.
Mas vou falar de um modo genérico. A questão da idolatria que se formou em
torno dele, da imagem que ele produziu de “pop-star”, eu não sou a favor. Na
democracia, o que tem que brilhar são as instituições, e têm que brilhar por
cumprir a lei. A sociedade brasileira é tão carente que acaba se apegando ao
juiz e ao juiz combatente.
A figura do juiz combatente é contrária à Constituição,
porque juiz não tem que combater a criminalidade. Quem tem que combater a
criminalidade é a polícia e o Ministério Público. O juiz tem que julgar. Quando
um juiz toma a frente de uma investigação, ou se ele parece ser um juiz
punitivista, ele perde a essência da magistratura, que é a imparcialidade.
Eu não estou dizendo que o juiz tenha sido parcial, o que
eu estou dizendo é que as pessoas esperavam isso dele, que ele fosse imparcial.
Agora, o que ficou muito chato e pôs mesmo em dúvida a atividade dele enquanto
juiz foi o fato de ele ter saído e se tornado ministro do candidato que ganhou
a eleição. E ter combinado isso, inclusive, enquanto era juiz. E ter prendido
um ex-presidente da República que tinha plenas condições de ganhar as eleições
no primeiro turno. Então, eu acho que essa dúvida que se manifesta é uma dúvida
extremamente relevante.
São autoridades internacionais e nacionais, escritores
respeitados de Direito Penal e Processo Penal que põem em dúvida a atividade do
juiz. O Brasil tem que se acautelar desse tipo de coisa, inclusive, do
“juiz-estrela”. Eu costumo dizer o seguinte: a gente não vive em Gotham City, e
juiz não é Batman. Juiz tem o papel de julgar com imparcialidade.
Enquanto
ministro, Moro nomeou e revogou a nomeação de Ilona Szabó para suplência no
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária [CNPCP]; propôs o
chamado pacote anticrime e criou um atrito com o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM), por pressioná-lo a pautar a votação do pacote. O senhor entende que
ele tem demonstrado dificuldade em exercer essa função política dentro do
governo?
Eu acho que ele é um pouco imaturo ainda, não sabe muito
bem lidar com os políticos. Então, eu acho que ele está tendo as dificuldades
próprias de um iniciante, porque na política as coisas não são tão simples. Na
política tem que saber pedir, tem que saber negociar, e talvez faltem a ele
alguns atributos para ser um bom político.
Mas você tocou num assunto que é muito interessante, que
é esse pacote “anticrime”. Isso não é anticrime: é anticonstituição, porque
viola diversos direitos fundamentais, visa dar à polícia uma carta branca para
cometer homicídios.
A polícia brasileira é a que mais mata e a que mais morre
no mundo, infelizmente. E assim é por conta do modelo que nós temos de exclusão
social. Querer combater isso legitimando homicídios praticados pela polícia é
uma coisa absurda, é uma coisa própria de regimes autoritários e não de Estado
democrático de direito. Isso não tem nada a ver com democracia.
Eu espero que esse projeto anticonstituição não seja
aprovado, sequer seja pautado para votação, porque isso é uma afronta à
sociedade civilizada.
Na
roda de conversa na Vigília Lula Livre, o senhor falou em defesa do Supremo
Tribunal Federal [STF] e do Supremo Tribunal de Justiça [STJ]. No atual momento
de descrédito das instituições brasileiras, o senhor acredita que deve ser uma
pauta dos movimentos populares a defesa dessas instituições?
Eu pertenço ao Poder Judiciário e eu tenho a obrigação de
defendê-lo. A instituição pode, eventualmente, fazer coisas com as quais eu não
concordo, mas é minha obrigação lutar pelo direito, lutar pela instituição e
protegê-la. O STF é um fundamento da República, é o guardião da nossa
Constituição. Não existe sociedade civilizada no mundo, não existe estado
democrático de direito sem uma corte constitucional, sem um Supremo Tribunal
Federal.
Podemos sempre criticar as instituições. Aliás, devemos
criticar, porque é próprio da democracia. Mas a gente não pode falar de fechar
o STF, falar de “cabo e soldado” para fechar o STF… o que é isso? Essa gente
não tem apreço pela República, não tem apreço pela democracia. E eu insisto:
nós temos excelentes quadros no STF e no STJ, excelentes ministros, muito experientes,
autoridades renomadas que são respeitadíssimas inclusive fora do Brasil.
Essa gente está achincalhando para poder obrigar o Poder
Judiciário a fazer o que eles querem, que é interferir politicamente dentro do
Judiciário, e isso é inaceitável.
Os juízes têm que se unir, porque nenhuma pessoa pode ser julgada corretamente, adequadamente, senão por uma corte imparcial, um tribunal imparcial e que não está sob pressão. Não existe possibilidade de um julgamento livre de vício
se você tem juízes amedrontados ou juízes ofendidos, escrachados pela mídia. A
gente não pode aceitar que isso ocorra no Brasil, e eu repudio isso com
absoluta veemência.
Nenhum comentário