Estado de exceção, protestos e repressão: o que está acontecendo no Equador?
País
vive onda de manifestações desde que o presidente Lenín Moreno anunciou fim de
subsídios aos combustíveis.
Por Tiago Angelo - Brasil de Fato
Por Tiago Angelo - Brasil de Fato
11/10/2019
Desde
o dia 3 de outubro, o Equador, governado pelo presidente Lenín Moreno, passa
por sua maior crise política recente. O estopim da onda de protestos que tomou
o país ocorreu após o mandatário anunciar o fim dos subsídios aos combustíveis, em uma tentativa de conter o déficit fiscal equatoriano
seguindo as receitas do mercado financeiro internacional.
Moreno mudou a sede do governo de Quito para Guayaquil. Foto: Fredy Cosntante/Presidência da República/via Fotos Públicas |
Os
protestos foram inicialmente liderados por sindicatos ligados ao setor de
transporte, descontentes com o impacto da medida no preço da gasolina e do
diesel. Segundo a France Presse, a retirada dos auxílios, que já estavam
em vigor há 40 anos, levará a um aumento de até 120% no preço dos
combustíveis.
De
lá para cá, diversos grupos aderiram às manifestações. A insurgência popular
fez com que o presidente decretasse estado de exceção por dois meses. Moreno também mudou a sede do governo de Quito, alvo da maior parte dos
protestos, para a litorânea Guayaquil.
O Brasil
de Fato elaborou 4 pontos que ajudam a entender a crise política
equatoriana. Confira:
O
que desencadeou as manifestações?
Dolarizada
em 2000, a economia do Equador conquistou resultados positivos durante os
primeiros anos do governo de Rafael Correa (2007-2017), crescendo uma média de
4% entre 2007 e 2014.
No
ano seguinte, a economia do país desacelerou, situação que se agravou em 2016,
quando um terremoto deixou mais de 600 pessoas mortas, contribuindo
para uma retração de 1,58% no PIB.
A
queda no preço internacional do barril de petróleo e de minerais exportados
pelo Equador, assim como a valorização do dólar, também pesaram contra o país.
O
cenário levou o Equador, que tinha uma dívida pública de US$ 10 bilhões em
junho de 2009, para um encargo de US$ 43 bilhões em março de 2017. Para tentar
conter o endividamento, Moreno anunciou, em fevereiro deste ano, a assinatura
de um acordo de empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no valor
de US$ 4,2 bilhões.
O
pacote de recuperação econômica inclui ainda outros US$ 6 bilhões vindos
de organismos multilaterais. No entanto, para o sociólogo Francesco
Maniglio, professor da Universidade Técnica de Manabí, no Equador, o empréstimo
representa uma tentativa de transferir a dívida dos bancos para a população.
“O
setor bancário e empresarial tinha uma dívida de US$ 4 bilhões. Estas dívidas foram
abonadas. Os bancos não precisaram pagar. [Posteriormente] o Equador pediu US$
4,2 bilhões ao FMI. Assim, as dívidas que os bancos privados tinham passam a
ser dívidas do povo”, afirma.
Em
1º de outubro, para dar seguimento ao pagamento do déficit público, Moreno
anunciou uma série de reformas trabalhistas e fiscais, entre elas o fim de
subsídios estatais aos combustíveis. O corte no auxílio, em
vigor no país há 40 anos, foi a medida que mais desagradou a população.
Quais
grupos estão protestando?
Embora
o fim do subsídio tenha sido anunciado no dia 1º, as mobilizações só começaram
a ganhar força em 3 de outubro, data em que a diligência passou a valer. De
imediato, motoristas de ônibus, táxis e caminhões bloquearam as principais ruas
da capital, Quito, e de Guayaquil. Por conta disso, as aulas foram
suspensas.
Estudantes
universitários, sindicatos e indígenas também aderiram aos protestos,
que passaram a ocorrer em toda a nação. Entre os grupos, participa a
Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), uma das
principais lideranças dos protestos.
Segundo
Wagner Iglecias, professor do Programa de Pós-Graduação
em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam-USP), o
fim dos subsídios foi a medida que mais desagradou os equatorianos porque ela
irá gerar um “aumento de preços não apenas nos transportes, mas nos bens de
consumo em geral, como os alimentos. Isso representará, na prática, um forte
processo de corrosão da renda de grande parte da população, especialmente dos
mais pobres”.
Durante
um discurso em rede nacional, Moreno acusou seu antecessor, Rafael Correa, de
estar por trás das mobilizações em uma tentativa de desestabilizar o governo.
Para Iglecias, no entanto, os atos não possuem este recorte partidário.
“Acredito
que são manifestações de corte popular e indígena. É o Equador profundo que se
levanta contra as medidas de caráter neoliberal do governo Moreno. Parece-me
que é algo tão forte e disruptivo que ultrapassa os partidos de esquerda, cuja
luta política é muito mais voltada ao campo institucional”.
Maniglio
endossa essa opinião. “Grande parte das pessoas que participam não é correísta,
mas contra o Correa […] As manifestações estão sendo conduzidas por várias
entidades indígenas”, diz.
O
maior ato ocorreu na quarta-feira (9), dia marcado por uma greve geral e
duas concentrações em Quito. Sabendo que a capital seria o local onde a maior
parte das manifestações iria ocorrer, Moreno anunciou a transferência da sede
do governo de Quito para Guayaquil.
Estado
de exceção e repressão
Em
resposta às manifestações, Moreno decretou, já em 3 de outubro, estado de
exceção. Isso significa que o governo passa a ter o poder de limitar a
liberdade de ir e vir da população e de impor censura prévia à imprensa.
A
medida irá valer por 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 30. A diligência
também autoriza o uso de militares para fazer a segurança. Também está
autorizado o fechamento de portos e aeroportos.
As
manifestações foram duramente reprimidas. Segundo Maniglio, baseado em números
da Coordinadora Ecuatoriana de Contrainformación, “o Equador amanheceu com sete
mortos, entre os quais um recém-nascido. Temos 94 feridos graves, mais de 500
feridos leves; 83 desaparecidos, entre eles, 47 menores de idade. Temos 800
detidos, a maior parte sem julgamento. Temos 57 jornalistas agredidos pela
polícia, 13 presos, além de 9 meios de comunicação sobre intervenção”.
A
Defensoria do Povo fala em 5 mortos. Segundo a agência de proteção aos direitos
humanos, “a primeira vítima é um homem que morreu após ser atingido no domingo
na província de Azuay (sul do país). As outras quatro morreram em Quito”.
Moreno
pode cair?
Protestos
liderados por indígenas derrubaram três presidentes equatorianos durante a
instabilidade que o país passou entre os anos 90 e 2000: Jamil Mahuad, Abdalá
Bucaram e Lucio Gutiérrez.
No
período, o país teve oito presidentes em 10 anos. “Os movimentos sociais do
Equador, em especial os movimentos indígenas, têm uma longa tradição de
mobilização política e pressão sobre os governos. É provável que as
manifestações continuem nos próximos dias, e que a reação do governo seja
aumentar a repressão”, afirma Iglecias.
Os
manifestantes já afirmaram que não deixarão as ruas até Moreno revogar a medida
que acaba com os subsídios. O presidente, no entanto, afirma que não pretende
recuar. A situação, diz o professor da USP, gera um impasse.
Para
ele, existem três cenários possíveis. “A repressão sobre os movimentos sociais
se impõe e o regime fecha; o presidente perde apoio das Forças Armadas e das
classes médias por conta da paralisia econômica provocada pelos protestos e
renúncia; ou as partes chegam a um acordo mediado pela igreja e por organismos
internacionais”.
Edição:
João Paulo Soares – Brasil de Fato
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