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Amorim sobre declarações da Casa Branca: 'Não somos obrigados a seguir todas as opiniões dos EUA'

Diplomata brasileiro sintetiza a crítica do presidente Lula aos incentivadores do conflito: "trabalhar para fortalecer militarmente um lado" e aplicar sanções não contribuem para o caminho da paz.

Celso Amorim é assessor especial da Presidência e já foi ministro das Relações Exteriores e da Defesa. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
18/04/2023

Nesta segunda-feira (17), a Casa Branca, através de seu porta-voz de Segurança Nacional, John Kirby, criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por sua afirmação de que os norte-americanos deveriam parar de alimentar o conflito na Ucrânia. Para Washington, "o Brasil está repetindo como um papagaio a propaganda da Rússia e da China, sem analisar os fatos". 

Nesta terça-feira (18), o ex-chanceler e assessor especial da presidência da República, Celso Amorim, respondeu que a acusação norte-americana "é totalmente absurda", uma vez que "em vários momentos o Brasil condenou, no atual governo, a invasão". 

"Eu não vou entrar em polêmica com o assessor de imprensa lá da Casa Branca. Deixa ele pensar o que ele quiser. [...] A nossa atitude é clara. Nós já votamos resoluções da ONU [condenando a operação], ele [Lula] já falou [condenando o ato da Rússia]. Não há dúvida de que o Brasil é crítico. O Brasil defende a Carta da ONU e o direito internacional. Agora, o que a gente acha é que não adianta ficar só nisso, ou ficar fazendo sanções, ou querendo derrotar a Rússia. Isso não vai trazer paz. A Rússia é um país muito importante e muito grande, além de ser parceiro do Brasil. E você tem que buscar uma maneira de que haja [negociações de paz]. Foi a ênfase do que o presidente Lula falou", afirmou Amorim, segundo a Folha de São Paulo. 

Indagado do porquê que o presidente Lula acredita que os Estados Unidos e a União Europeia ajudam a perpetuar o conflito, Amorim respondeu que "trabalhar para fortalecer militarmente um lado" e aplicar sanções não contribuem para o caminho da paz. 

"Há declarações específicas [de autoridades dos EUA e de países europeus], do tipo 'temos que derrotar a Rússia' ou 'temos que debilitar a Rússia' [...]. Agora, dentro da concepção de que a Rússia errou, a nossa posição é a de fazer com que os países conversem. A guerra não é uma solução nem para a Rússia nem para a Ucrânia. Essa é a questão do Brasil. Apenas trabalhar para fortalecer militarmente um lado [o que tem sido feito por EUA e países europeus], ou para, digamos, impor sanções ao outro, não se contribui para a paz. Não se contribui para a conversa, não se cria um clima favorável à busca de negociações. E [essas autoridades] acabam, voluntária ou involuntariamente, contribuindo para o prolongamento da guerra." 

Amorim também pontuou que o Brasil não acha que sozinho vai conseguir mediar o conflito ou alcançar a paz, mas que junto a outros países sim, e relembrou a declaração conjunta entre Brasília e Pequim na semana passada. 

"Há uma clareza muito grande de que não é o Brasil que vai fazer a paz. Tem que ser um grupo de países. Releia a declaração conjunta do presidente Lula e do presidente da China, Xi Jinping, que fala que os dois países apoiam os movimentos todos para a paz e convida outros países a se juntarem a esse esforço. Claramente não é uma coisa que o presidente Lula fará sozinho", analisou o ex-chanceler. 

O assessor especial, que agora em junho completa 80 anos e é o diplomata com mais vasta experiência em atividade no Brasil, também pontuou que, diante do conflito, a União Europeia adotou um partido, mas que ela "não está errada em errada em criticar a ação específica [da Rússia contra a Ucrânia]", mas que "você tem que fazer isso de uma maneira que não impossibilite a paz". 

"O que você quer? Uma vingança? Quer dar uma lição? A última vez em que se tentou uma política desse tipo, que foi depois da Primeira Guerra Mundial, com o Tratado de Versalhes [em que países vitoriosos na guerra impuseram duras condições à Alemanha], deu no que deu depois [a ascensão de Adolf Hitler ao poder]. Deu nesse sentimento de rancor e de ressentimento. Nós [Brasil] achamos que não é por aí." 

Amorim também sublinhou que "quando se diz 'há uma reação muito forte' [às declarações de Lula], é uma forte reação ocidental. “Agora, se você vai ver o que estão pensando os indianos, os africanos e muitos outros que talvez não tenham as mesmas condições de se exprimir, a visão não é a mesma [...] O presidente Lula fez uma referência genérica à Crimeia. Eu já ouvi de vários líderes europeus - eles não falam alto, mas dizem - que 'bom, a Crimeia a gente já sabe, né?'. Então, vamos parar com essa hipocrisia." 

Indagado se os Estados Unidos não entenderam a posição do Brasil diante do conflito, o ex-chanceler diz que "não pode fazer julgamento do que os outros pensam", mas que acha que sim, há uma visão diferente entre Washington e Brasília. 

‘Mundo equilibrado e multipolar’

"Eu acho que é uma visão diferente, sim, da visão brasileira. É uma diferença de visão no seguinte sentido: nós queremos um mundo equilibrado e multipolar, porque é o que mais interessa ao Brasil. Claro que o Brasil, ele próprio, não vai ter força para criar esse mundo. Mas ele pode contribuir para um mundo que não esteja dividido em uma 'Guerra Fria', entre os bons e os maus. [...] Em muitas coisas, os Estados Unidos são um parceiro excelente do Brasil. [...] A atitude positiva do governo Biden em relação ao processo eleitoral no Brasil, nós reconhecemos. Agora, isso não nos obriga a ter que seguir todas as opiniões que eles têm. A gente pode divergir, como divergimos em outras coisas, em negociações comerciais e em outras questões. Os países têm interesses, e para o Brasil não é interessante uma Guerra Fria." 

Ao mesmo tempo, o diplomata lembrou que UE reagiu às posições do Brasil, mas ressaltou que o bloco europeu "não tem uma posição muito única" sobre o assunto. 

"A União Europeia não tem uma posição muito única [sobre a guerra da Ucrânia], não é? Vamos ser objetivos. Por exemplo, o presidente da França, [Emmanuel] Macron, esteve na China e conversou por muito mais tempo do que nós com o Xi Jinping. E voltou [à França] também falando que era importante afirmar a autonomia estratégica da Europa. Disse que a Europa não consegue resolver seus próprios problemas, se referindo à Ucrânia, e que, portanto, não tem que se meter em Taiwan. Eu imagino que em Washington houve pessoas que não gostaram." 

Processo eleitoral

Sobre o processo eleitoral no Brasil ocorrido no ano passado, o qual os Estados Unidos foram participativos em suas declarações para defesa do sistema eleitoral brasileiro e a democracia no país, Amorim diz que "a nossa democracia é uma responsabilidade brasileira", mas "que não há dúvida de que a posição americana, dos EUA, tem influência no Brasil".

"[...] Eles tornaram uma atitude correta em relação ao processo eleitoral brasileiro, e isso é positivo. Aliás, não foram só os EUA. Foram eles e toda a comunidade internacional. [...] E isso não vincula o presidente Lula às posições americanas. É claro que não. Não houve nenhum pacto de dizer: 'Olha, nós apoiamos o processo eleitoral e vocês vão nos apoiar no nosso conflito contra a China'. Não. Cada país tem a sua opinião e tem o direito de discutir civilizadamente. De poder divergir", complementou.

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