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Políticos ligados ao Aliança Pelo Brasil chamam carreatas e agem para furar isolamento social

Levantamento mostra quem são os políticos bolsonaristas que espalham a mensagem anti-isolamento e fake news sobre a Covid-19.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública

Por Ciro Barros, Diogo da Silva, Joana Suarez e Rafael Oliveira
18/04/2020


Além de atuar nas redes para propagar desinformação sobre a pandemia do coronavírus, a Agência Pública descobriu que políticos, empresários e movimentos da direita estão por trás das carreatas em diferentes estados para forçar o fim do isolamento imposto por governadores – o que coloca em risco a saúde da população e pode levar a mais mortes, segundo a OMS e especialistas como a bióloga Natália Pasternak e a pneumologista Margareth Dalcolmo.

As carreatas contra as medidas de isolamento social têm um ponto em comum nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais e Curitiba: o envolvimento direto na organização ou divulgação dos eventos de políticos ligados ao presidente Jair Bolsonaro. Parte deles se empenhou na criação do Aliança Pelo Brasil, partido idealizado por Bolsonaro que não conseguiu obter o número de assinaturas necessário para se formalizar e concorrer, às eleições deste ano.

Na cidade de Volta Redonda (RJ), o Ministério Público do Rio apontou Hermiton Moura como um dos organizadores de uma carreata que ocorreria no dia 28 de março, convocada para protestar contra o fechamento de comércio e serviços na cidade.

Hermiton é pré-candidato à prefeitura da cidade pelo Republicanos, mas fez parte dos quadros do PSL até o fim do ano passado. Em 2018 concorreu ao cargo de deputado estadual pelo antigo partido e recebeu cerca de 12 mil votos. Não se elegeu e saiu do partido quando o presidente deixou o partido para tentar fundar o Aliança Pelo Brasil.

Ele é empresário e fundador do movimento Vem Pra Direita que, além de Volta Redonda, também atua em outros municípios do sul fluminense como Barra Mansa, Resende, Barra do Piraí e Valença.

A página do movimento Vem pra Direita divulgou ativamente carreata do dia 28 de março.

Convocação de carreata em Volta Redonda/RJ. Foto: reprodução

Porém, após a divulgação, veio a denúncia do MP que avaliou: “tal evento será realizado mediante a concentração de um elevado número de pessoas na Praça Brasil, trazendo graves riscos à saúde pública”. A Justiça do Rio proibiu a carreata.

Em entrevista à Pública, Hermiton viu perseguição política no veto judicial. “Como pode haver transmissão da doença de um carro pro outro?”, questiona. Ele nega ter organizado a carreata e classifica a ação civil pública do MP como uma “iniciativa política” provocada pela atual gestão de Volta Redonda. Defende o isolamento vertical, medida na qual só os idosos e pessoas com doenças crônicas ficariam em quarentena, e critica a Organização Mundial de Saúde, chamando seu diretor-geral de “marxista”.

“Você pega um cenário mundial desse tipo. Várias emissoras de televisão comprometidas com essa narrativa, com os mesmos objetivos e você acaba tendo prefeitos e governadores que vão por essa mesma linha”, analisa.

À Pública, o MPRJ afirmou que “o que se pretende com a atuação não é evitar a manifestação dos participantes dos eventos, o que é legal e legítimo, mas sim buscar evitar que os eventos gerem situações de risco de contágio dos participantes pelo coronavírus”.

No município do Rio de Janeiro, outro ex-candidato a deputado estadual pelo PSL teve protagonismo na convocação das carreatas. Ronaldo Cunha recebeu 8.917 votos em 2018, mas não se elegeu. Ele descreve sua base eleitoral como o “pessoal da direita conservadora” e motoristas de aplicativo, profissão que exerce. Assim como Hermiton, ele também deixou o PSL no ano passado e passou a militar pela fundação do partido Aliança pelo Brasil.

Ronaldo fez um dos posts com maior repercussão na convocação para uma carreata que pedia a derrubada do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), no Facebook.

Post de Ronaldo Cunha nas redes sociais. Foto: reprodução

O post ganhou alcance na página Aliança Carioca, que representa o Aliança pelo Brasil na cidade do Rio. A carreata ocorreu no da 14 de abril, concentrou-se na Barra da Tijuca e pretendia chegar até o Palácio da Guanabara. Mas não alcançou seu objetivo – só reuniu 40 carros – porque governador Witzel “fechou viaduto, fechou as pistas laterais pra ninguém chegar próximo”.

Ronaldo diz que o movimento vem crescendo. Outra carreata está prevista para o dia 18 de abril, também apoiada pelo deputado federal Daniel Silveira e pelo deputado estadual Anderson Moraes – ambos do PSL.

“Eles fizeram uma chamada para dar uma blindagem no cidadão porque sem essa blindagem, o cidadão fica com medo”, relata Ronaldo, que dia apenas divulgar as carreatas. “Tem pessoas que são organizadores, mas a gente não pode informar pra blindar elas de algum ato partindo do governador”, diz.

Em outras postagens, Ronaldo culpa a China pelo vírus e chama governadores pelo isolamento de “exterminadores”

Ele é taxativo ao dizer que o movimento quer a reabertura do comércio nos moldes do isolamento vertical e também a saída de Witzel do governo fluminense. “Ou a gente vai morrer doente ou com fome”, aponta. “A gente não viu nenhum caso no Rio de Janeiro de morador de rua com Covid-19. Em todos os relatos, não tem morador de rua. A pessoa que não tem nem higiene será que tá blindada? Essas coisas a gente não vê muito na televisão”, questiona. Fora do Rio, porém, já há casos de moradores de rua que foram internados por Covid-19.

Brasília, uma das maiores carreatas
Em Brasília, no dia 15 de abril, uma das maiores carreatas realizadas até aqui foi amplamente convocada pelo psicólogo e escritor Wagner Cunha, liderança mais proeminente do Movimento Direita Conservadora (MDC).

Em um vídeo divulgado no Youtube, Wagner aparece sobre um carro de som à frente de uma fila de veículos, segundo ele, com 2 km de extensão. “Em Brasília, o ‘Enganeis’ [trocadilho com o nome do governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB)] não vai mais enganar ninguém, não. Nem em São Paulo, o João Traidória… O governador do Rio de Janeiro, Adolf Witzel. Agora chegou a vez de vocês”, discursou o escritor, que, segundo reportagem da Folha de São Paulo, é pré-candidato à prefeitura de Uberlândia (MG) pelo PRTB, do vice-presidente Hamilton Mourão.

Ele já havia participado ativamente de um protesto no dia 15 de março na Avenida Paulista. Na ocasião, o MDC levou um carro de som ao ato. Em uma live no YouTube, Cunha defendeu atos de desobediência civil. “Nós temos que neutralizar a Globo e fazer ações reais de desobediência civil pacífica. Nós mesmos podemos sair a campo e filmar os hospitais que não estão cheios para poder desmistificar essa histeria social coletiva do Covid-19”, afirmou.

Procurado pela Pública, ele não respondeu aos pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.

“Ditadória”
Ex-candidata a deputada estadual pelo PSL, a psicóloga Cris Godoy é outra que tem sido ativa na divulgação das carreatas em São Paulo. Também montou eventos no Facebook e tem feito lives frequentes. “O plano deles [dos chineses] é dominar o Brasil pra botar a gente como trabalhador escravo para produzir comida pra eles e pra tirar toda a nossa soberania. Porque aí compra portos, compra depósitos de grãos, compra emissoras de TV e, acabou, eles não precisa de mais nada.”, disse no dia 11 de abril. A Pública tentou contato com Godoy mas não teve retorno.

O Movimento Conservador também se posicionou a favor da demissão de Mandetta e contra as medidas de isolamento decretadas por governadores, através da hashtag #OBrasilNãoPodeParar, propagada pelo chamado “Gabinete do Ódio”. Um dos membros do movimento, o prefeito de Martinópolis-SP, Cristiano Engel (sem partido), chegou a ingressar com mandado de segurança contra o decreto estadual de quarentena, em vão.

Fundado pelo deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), cujo gabinete é repleto de ativistas do grupo, o movimento tem atuação principalmente em São Paulo e direciona boa parte de suas críticas ao prefeito Bruno Covas (PSDB-SP) e ao governador João Doria, apelidado de “DitaDória” e “Joãozinho Tranca Rua”. Garcia, que fez publicações incentivando carreatas contra o governador, é autor de decreto pedindo a suspensão da quarentena determinada por João Doria em São Paulo, feito em conjunto com o deputado Gil Diniz, o “carteiro reaça”.

A dupla bolsonarista da Assembleia Estadual de São Paulo também pretende protocolar pedido de impeachment contra o governador.

O movimento ganhou notoriedade por organizar em 2018 o “Bloco Porão do Dops”, proibido de sair às ruas pela Justiça, e coletou assinaturas para a formação do Aliança pelo Brasil. Presidido pelo chefe de gabinete de Douglas Garcia, o ex-corretor de seguros Edson Salomão, o movimento pretende lançar candidatos em todo o Brasil nas eleições municipais deste ano — Salomão, que queria concorrer à prefeitura de São Paulo, é pré-candidato a vereador pelo PRTB.

Carreata na Avenida Paulista, em 11 de abril. Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

Em Minas, isolamento é visto pela direita como “greve geral”
Em Minas Gerais, a Agência Pública descobriu que também são empresários e deputados os que apoiaram e divulgaram as carreatas ocorridas em Belo Horizonte e arredores nos dias 27, 28 e 29 de março. O mesmo grupo realizou movimento em defesa da ditadura, dia 31 de março, e buzinaços na porta da casa do prefeito da capital mineira. Atos também foram registrados em Betim, Contagem, na Grande BH, Juiz de Fora, na Zona da Mata, Ipatinga, no Vale do Aço, e outras cidades mineiras.

Um dos organizadores dos eventos é Júlio Hubner, artista plástico, de 49 anos. Não por acaso, Hubner também foi candidato a deputado estadual pelo PSL nas eleições de 2018, mas obteve pouco mais de 3.500 votos e não se elegeu. No seu perfil do Facebook, se identifica como “figura pública, fundador do grupo Patriotas, de ativismo político”. No site de financiamento coletivo Apoia.se, ele pede doações de R$ 1.000 por mês por dedicar boa parte “do seu tempo e energia para mudar a política brasileira, valorizar e inserir novos ativistas nas pautas conservadoras e de direita”. Não conseguiu arrecadar nenhum tostão.

Em uma postagem no Facebook ele diz que o isolamento social é, na verdade, uma “greve geral” convocada pela esquerda, de maneira “disfarçada”.

A Pública tentou falar com ele mas não obteve retorno.

Quem está sempre nos vídeos e protestos ao lado de Hubner é Adriana Borges, 55 anos, profissional de vendas e marketing, ativista política da direita, “conservadora nos costumes e liberal na economia”, como se identifica nas redes. Ela também foi candidata a deputada federal de Minas Gerais, pelo PSL, e com recursos arrecadados de R$ 24.000 conseguiu 11.803 mil votos, que não a elegeram.

No seu Linkedin, ela afirma que trabalha atualmente com representação de produtos importados na área de beleza: Chanel, Bvlgari, Lancôme, Clinique, Revlon, Bourjois, L’oréal, etc. Em uma live que fez durante um dos protestos, Adriana fala que “isso [o isolamento] é um plano comunista para acabar com as atividades econômicas das principais capitais… Esse vírus existe, mas mata pouquíssimo, menos que o H1N1”. Na verdade, o Covid-19 matou 13 vezes mais que o H1N1 no Brasil.

Falando à Pública através de mensagens no Whatsapp, Adriana disse que “os movimentos de Belo Horizonte são a favor do Presidente e a favor do Isolamento Vertical. E a volta ao trabalho imediatamente”. Os movimentos que organizam e apoiam são, segundo ela, Direita BH, Patriotas, Pro-Libertas, Sai da Bolha. Em Contagem, tinha ainda o movimento Conservadores em Ação.

“Sempre fazemos vaquinha para dividir os custos”, disse. Declaradamente bolsonarista, ela afirmou que o grupo tem apoio de políticos e empresários, pois “só um louco para apoiar estes governadores e prefeitos ditadores”, referindo-se aos gestores que estão estabelecendo medidas de fechamento de escolas e comércio nas cidades.

Ela citou apoio de Marco Gaspar, dono de uma papelaria desde 1995 e um dos diretores da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Belo Horizonte. Procurado pela Pública, Gaspar afirmou que apoia o movimento como empresário e participa das carreatas, mas a CDL não faz parte das ações. “Está faltando um pouco de bom senso dos nossos líderes”, disse.

Autodenominado “bolsonarista”, o deputado estadual Sandro Lúcio Fonseca, conhecido como coronel Sandro, também do PSL, diz ser o único deputado que participa das carreatas em Belo Horizonte e cidades vizinhas. Na sua página de Facebook ele divulga e apoia todas as manifestações a favor do presidente e ter ajudado a organizar a da cidade de Contagem.

Coronel Sandro, que é policial militar da reserva e está no primeiro mandato, entrou com ação de desfiliação do PSL após a saída de Bolsonaro. Ele afirma que, portanto, o partido não apoia financeiramente os eventos.

“A ajuda vem de muitas pessoas, principalmente dos movimentos organizados de direita e conservadores. Mas não há custo elevado. Somente carro de som e faixas e folhetos”.

Outro ex-PM, o cabo Junior Amaral, deputado federal por Minas Gerais, divulgou em seu perfil de Twitter vídeo da carreata realizada no município de Ituiutaba, no Triângulo mineiro, dia 27 de março, “em apelo ao executivo municipal para retorno às atividades comerciais na cidade”. Ele usou, também, a hashtag #OBrasilNaoVaiParar.

Um dos maiores propagadores da retórica bolsonarista em Minas Gerais, o deputado estadual Bruno Engler, nega ter participado do protesto. Engler, que pretende disputar a prefeitura de Belo Horizonte este ano, se filiou recentemente ao PRTB, partido do vice Mourão, e tem apoio do presidente Bolsonaro na campanha.

Post de Engler no Facebook. Foto: reprodução

Membro do movimento Direita Minas, Engler reconheceu que trabalha para conseguir o fim do isolamento da forma como está hoje no Estado. “Aqui o governador não é, digamos assim, como o de São Paulo e o do Rio de Janeiro, que estão fazendo política em cima disso e com objetivo de atingir o governo federal, então a gente acredita que podemos conversar para buscar soluções, mas ainda não tem nada concreto”.

Em Curitiba, quadros do Aliança pelo Brasil chamam para a rua
Na capital paranaense, a aliança para mudar o rumo do debate sobre a Covid-19 teve como articulação inicial um jantar no dia 1º de fevereiro no tradicional restaurante Madalosso, segundo a imprensa local, o evento reuniu mais de 1.500 apoiadores do Aliança pelo Brasil.

Na mesa que ocupava o palco destacavam-se três deputados federais: Filipe Barros (PSL-PR), Aline Sleutjes (PSL-PR) e o Coronel Armando (PSL-SC).

Entre os grupos de direita, estavam os movimentos República de Curitiba, Acampamento Lava Jato e Eder Borges – esse, um movimento de um homem só. Os logos dos três movimentos apareciam em um banner de 10 metros levantado por uma espécie de guindaste durante a manifestação em apoio a Bolsonaro no bairro de Boca Maldita, em Curitiba, no dia 15 de março de 2020. De lá para cá, os mesmos movimentos e pessoas promoveram carreatas, jejuns, rondas em hospitais e protestos contra o “isolamento horizontal”.

Paulo Generoso, fundador do grupo República de Curitiba, foi apresentado na manifestação pelo advogado Fabiano Lazarino: “Gostaria de cumprimentar um amigo que tem contribuído muito para a nossa nação: é o Paulo Generoso, presidente da República de Curitiba! Paulo, que Deus abençoe por tudo o que você tem feito pelo nosso país, mesmo lá dos Estados Unidos você tem influenciado muita gente para seguir nosso presidente na reconstrução do nosso país”.

A página de Facebook do grupo República de Curitiba, cujo nome é uma reverência à Lava-Jato e a Sérgio Moro, conta hoje com mais de 1,3 milhão de seguidores. Gaúcho que morou durante 5 anos em Curitiba, Generoso é empresário e reside desde 1998 nos Estados Unidos, em Dallas, no estado do Texas.

Durante as primeiras semanas de março, a página se destacou na divulgação e organização da manifestação do dia 15 de março. Faltando poucos dias para o evento, porém, retirou seu apoio. “Entendemos que esta era a orientação do governo e por precaução resolvemos cancelar, mas não nos opomos a quem entendeu diferente, inclusive apoiamos virtualmente”, explicou Generoso à Pública.

A página, que tem a pretensão de criar “um novo conceito de jornalismo”, é uma das que espalhou fake news sobre o governo Doria, acusando-o de registrar mais mortes de vítimas por coronavírus do que o número real. O filtro de notícias falsas do Facebook, apontou que a página dele publicou três fake news entre 09 de março e 09 de abril deste ano, todas elas envolvendo temas relacionados à Covid-19.

“Na verdade, nós incentivamos manifestações em todo o Brasil, em Curitiba e São Paulo a gente teria trio elétrico. Nossa representante em Curitiba e Paraná é a advogada Karol Becker e Fabiano Lazarino”, disse Paulo, que estava chamando novas carreatas para o dia 17 de abril.

Questionado pela Pública sobre a possibilidade de incentivar o contágio promovendo as aglomerações, Generoso amenizou: “para as carreatas, estamos pedindo para que não saiam de dentro dos carros, que usem máscaras e que levem álcool em gel, como eu disse, podemos e devemos nos manifestar sempre que entendermos necessário e isto é um direito de todos os brasileiros”.

“O que não podemos aceitar é que bandidos sejam soltos e o cidadão comum vá para a cadeia. Nem no regime militar passamos por isso”, concluiu.

Concentradas nas redes sociais, principalmente no Facebook, a dupla formada por Eder Borges e Paula Milani, fundadora do Acampamento Lava Jato, mantiveram seu apoio à manifestação do dia 15 e também às seguintes.

O destaque foi para a carreata organizada pelas ruas de Curitiba no dia 27 de março, que despertou atenção não só de curitibanos, mas também da imprensa nacional. Matérias publicadas no UOL e no El País destacaram a participação de Borges e Milani no ato. Pouco depois, o jornal a Gazeta do Povo revelou que Eder Borges ocupou o cargo comissionado de assessor no gabinete do deputado estadual Coronel Lee (PSL-PR). Borges, que já foi coordenador do MBL em Curitiba, também teve cargo comissionado durante o mandato de deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR), que atualmente é deputado estadual do Paraná.

Eder Borges colabora intensamente com o Terça Livre, portal de notícias “conservador” fundado e representado por Allan dos Santos. Autodenominados como “Gabinete do Ódio de Curitiba”, ele e Paula Milani têm fotos com Allan dos Santos, verificáveis no Facebook.

Uma selfie com a legenda “O Aliança começou assim: lotando o Madalosso” publicada pelo próprio Borges em um de seus perfis no Facebook atesta sua presença no jantar do Aliança pelo Brasil em Curitiba.

Também estava presente o Deputado Estadual Coronel Lee, anunciado no evento pelo apresentador como “nosso amigo, nosso parceiro nessa cruzada pelo Aliança no Estado do Paraná”.

Cotado como possível candidato a prefeito de Cascavel, o Coronel Lee também estava apoiando em suas redes sociais as manifestações agendadas para 15 de março. Mas também retirou seu apoio, como explicou em resposta enviada por e-mail a reportagem da Agência Pública.

“Sempre apoiamos o Presidente Jair Bolsonaro em suas ações e visto que num primeiro momento, onde o alarde sobre a pandemia não tinha virado uma repercussão tão intensa, alinhamos nosso discurso no sentido de vermos como essa situação se desenrolava. Num segundo momento, defendemos, ainda conforme o Governo Federal, a postura de prevenção e cuidados à vida, mas sem abrir mão da ordem econômica, tão sensível neste momento”.

Militantes de direita invadem hospitais e expõem pacientes
“Agradeço seu contato, mas devido a ataques e distorções de tudo que dizemos ou fazemos, não damos entrevistas. Siga em paz”. Assim Paula Milani, responsável pelo movimento Acampamento Lava Jato, respondeu ao pedido de entrevista feito pela Agência Pública. Milani lidera o grupo Acampamento Lava Jato. Sua página tem cerca de 30 mil seguidores e, assim como Eder Borges, tem grande alcance com lives.

A dupla (Borges e Milani) protagonizou uma polêmica ação na primeira quinzena de abril: a ronda em busca de pacientes da Covid-19 em alguns hospitais de Curitiba. Os vídeos foram compartilhados no Facebook.

Em um desses registros, no Hospital Evangélico, é possível ver o constrangimento das pessoas que esperavam na entrada do hospital, quando Paula Milani e sua amiga interpelam os presentes: “Alguém aqui está com Covid?” Mais à frente, na recepção aos pacientes do hospital, Paula é questionada pela atendente: “Por que a senhora está filmando? Não pode filmar sem autorização”. Paula, já sob vigilância de um funcionário do hospital, dirige-se ao local por onde entrou, sem conseguir confirmar a ausência de pacientes do novo vírus.

Descendo as escadas, Paula e sua amiga finalizam sua ronda no hospital com a certeza de que se trata de um “vírus fake”, e se dizendo preocupadas com “a lavagem cerebral que estão fazendo na cabeça das pessoas” em favor do isolamento. “Não tem essa porcaria de vírus chinês em Curitiba”, diz Paula. Segundo informações da assessoria de imprensa do Hospital Evangélico, no dia 13/04 – um dia após a ronda do Acampamento Lava Jato – eram 26 o número de internados no andar exclusivo ao tratamento de pacientes com suspeitas de Covid-19, sendo três deles confirmados e os outros aguardando resultado dos exames. Eder Borges também compartilhou um vídeo semelhante no seu Instagram.

A ideia de filmar hospitais é importada de um movimento que surgiu nas redes sociais nos Estados Unidos liderada por grupos de direita. Sob a tag #FilmYourHospital (#FilmeSeuHospital na versão em português), os militantes alinhados ao presidente Donald Trump têm espalhado vídeos de fachadas de hospitais e imagens de relance que mostram camas de hospitais vazias. A ideia é contestar as informações da imprensa de que os leitos hospitalares estão recebendo um grande volume de pacientes de Covid-19.

No Brasil, Fortaleza já tem 100% dos leitos de UTI dos SUS ocupados e o governo do Amazonas anunciou ocupação de 90% dos leitos hospitalares. Em São Paulo, mais de 70% dos leitos estão ocupados por pacientes que contraíram a Covid-19 e o Hospital Emílio Ribas já atingiu 100% de ocupação.

A advogada Anete Pizzimenti tem uma trajetória semelhante a outros divulgadores das manifestações. Foi candidata a deputada federal em São Paulo pelo PSL, mas não se elegeu, apesar de ter conseguido um posto de suplente na Câmara dos Deputados. Ela também saiu do partido junto de Bolsonaro e hoje está filiada ao partido de Mourão, o PRTB.

“A gente entende que a quarentena tem que ser vertical, mas antes essa carreata vem trazendo o Fora Dória”, explica a advogada. “Não existe motivo para nós pararmos e estarmos em confinamento horizontal porque o que a gente tem encontrado é um pouco de teatro nisso tudo. A gente pediu pro pessoal nas redes sociais irem aos hospitais e você vê que tá tudo vazio. Eu mesma estive duas vezes no hospital de campanha no Pacaembu e não tem ninguém”, diz. Não é verdade, um dia depois de ser inaugurado, o hospital já tinha 35% de ocupação.

Júlio Hubner, também candidato a deputado estadual derrotado em Minas pelo PSL nas eleições de 2018, também entrou na onda dos hosptais, como mostra o print abaixo.

Os representantes do Acampamento Lava Jato também estavam entre os 1.500 apoiadores presentes no jantar do Aliança Pelo Brasil em Curitiba. No álbum de foto da página é possível ver integrantes do movimento posando na presença de dois dos deputados que compunham a mesa do jantar: Filipe Barros (PSL-PR) e Aline Sleutjes (PSL-PR). Ambos, segundo publicado no Diário Oficial no dia 03 de março deste ano, estão entre os 12 deputados do PSL suspensos a pedido do próprio partido.

O deputado Filipe Barros também está envolvido na organização de manifestações ocorridas no dia 15 de março. O deputado foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná, por descumprir medidas sanitárias ao liderar em Londrina – sua base eleitoral – a referida manifestação e chamou a procuradora de “desequilibrada” – o que levou a uma nota de apoio do MP estadual pelo “trabalho eficiente e dedicado que a nominada agente ministerial exerce na defesa do direito à saúde pública – sobretudo no enfrentamento da Covid-19 -, bem como em favor dos direitos fundamentais dos indivíduos e da sociedade londrinense”.

Foi ele a grande atração do jantar de apoio ao Aliança pelo Brasil realizado no dia 1º de fevereiro em Curitiba – já que o presidente Jair Bolsonaro não compareceu pessoalmente. Além de ter sua foto junto com a de Bolsonaro estampando o ônibus que transportou a comitiva do Aliança pelo Brasil no Paraná, foi ele quem registrou a fala ao vivo do presidente no evento.

Em sua fala antes de iniciar o jantar, o deputado federal paranaense contou ao microfone uma passagem entre ele e Bolsonaro ocorrida durante viagem à Índia. “Eu fiz uma promessa para o presidente Bolsonaro. Eu falei pra ele: ‘Presidente Bolsonaro, eu tenho a certeza de que o Paraná será o estado do Brasil que proporcionalmente mais vai ter assinaturas pelo Aliança pelo Brasil! Eu posso contar com vocês, pessoal? Missão dada é?” Missão cumprida! – respondeu a plateia. Conseguiu menos de duas mil assinaturas, segundo o Uol.

Movimentos nacionais também chamam para carreatas
O NasRuas é um dos grupos alinhados a Bolsonaro que fez forte oposição ao agora ex-ministro Henrique Mandetta, impulsionando a tag #ForaMandettaUrgente. Como o presidente, o grupo defende a adoção de “isolamento vertical” e a utilização da cloroquina no tratamento de infectados, principais pautas do presidente às quais o então comandante da pasta se opunha. Também tem criticado a linha seguida por governadores como Doria, Witzel e Ronaldo Caiado (DEM-GO), que instituíram quarentenas em seus respectivos estados, e incentivado os seguidores a postar vídeos de carreatas em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e outras cidades.

Liderado pelo empresário Tomé Abduch, o movimento está convocando uma “mega carreata nacional” para o próximo domingo (19). Comentarista da CNN Brasil, onde defendeu a adoção do isolamento vertical, Abduch chegou a ter um vídeo crítico à quarentena republicado por Bolsonaro em seu Twitter.

Um dos responsáveis pelas manifestações de rua que impulsionaram o impeachment de Dilma Rousseff, o Movimento NasRuas surgiu em 2011 e teve a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) como uma das fundadoras. Além de Abduch, o movimento também é coordenado por Marcos Bellizia. Em resposta à Pública, Bellizia afirmou que “alguns governadores politizaram a crise sanitária global! Principalmente o Governador Dória do Estado de São Paulo”. Segundo ele, “agora é hora de união e não de discursos de marketing baseados em pesquisas políticas e não nas necessidades do povo”.

Um dos principais organizadores de manifestações de rua pró-Bolsonaro, o Movimento Avança Brasil também mantém alinhamento com as pautas do presidente em relação ao coronavírus. O grupo pediu a demissão de Henrique Mandetta, chegou a fazer uma live sobre “intervenção federal nos estados onde os governadores se tornaram ditadores comunistas” e credita ao Partido Comunista Chinês a criação do vírus. Defensor do isolamento vertical, o grupo participou de manifestações contra governadores de São Paulo e Rio de Janeiro nos últimos dias, e está convocando uma carreata contra João Doria para o próximo sábado (18).

Autodeclarado apartidário, o Avança Brasil já divulgou campanha de filiação e esteve presente no lançamento do Aliança pelo Brasil, partido fundado por Bolsonaro. De origem maçônica, o grupo tem Olavo de Carvalho entre seus conselheiros e acumula mais de dois milhões de seguidores nas redes sociais.

Também influenciado por Olavo de Carvalho e fiel ao presidente Jair Bolsonaro, o Movimento Brasil Conservador (MBC) publicou nota de repúdio aos governadores e prefeitos que proibiram manifestações durante a pandemia de coronavírus e fez texto associando a crise do coronavírus a um “avanço chinês e oportunismo globalista”. Integrantes do grupo também fizeram publicações críticas aos governadores e às medidas de isolamento, bem como relativizando os números da pandemia.

Criado em setembro de 2018, e com vários integrantes apoiadores da causa monarquista, o grupo é coordenado pelo ativista Maurício Costa chegou a discursar em carro de som durante o ato em Porto Alegre, tecendo críticas especialmente a Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli.

Reportagem publicada originalmente em 17 de abril de 2020 no site da Agência Pública.

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