Brasil é condenado internacionalmente por assassinato de Vladimir Herzog
Corte Interamericana de Direitos Humanos viu omissão e culpa do Estado brasileiro na tortura e morte do jornalista pelo regime militar.
Por Cristiane
Sampaio - Brasil de Fato
06/07/2018
O Estado brasileiro foi condenado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela falta de investigação,
julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e assassinato do
jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 1975, durante a ditadura civil-militar.
A decisão é de março deste ano, mas foi divulgada na última quarta-feira (4),
em San José, na Costa Rica, onde fica a sede do Tribunal.
Jornalista Vladimir Herzog foi morto pelo regime militar em 1975. Foto: Agência Brasil/arquivo |
No processo, a Corte destaca que Herzog sofreu privação
de liberdade, interrogatório, tortura e assassinato porque se opunha ao regime
ditatorial. O órgão determinou que o caso deve ser considerado crime contra a
humanidade, segundo a definição dada pelo Direito Internacional. Além disso, o
Tribunal considerou o Estado como responsável pela violação dos direitos de conhecimento
da verdade e da integridade pessoal dos familiares do jornalista.
Pela decisão, o Brasil deverá cumprir medidas de
reparação que incluem o retorno das investigações e do processo penal do
caso, com o objetivo de identificar, processar e punir os responsáveis pelo
crime.
César Cordaro, do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e
Justiça, destaca que a decisão tem caráter emblemático por conta da importância
do caso de Herzog e também da preservação da memória histórica do período. “[Ela]
vem reconhecer a prática de tortura e de graves violações de direitos humanos
por parte dos Estado brasileiro e a existência de um verdadeiro Estado de
Terror que vigorou durante todo o período da ditadura”, reforça.
Lei
de Anistia
Outro ponto importante da decisão diz respeito à Lei de
Anistia (Lei nº 6.683/79). A legislação, fruto do processo de abertura
"lenta, gradual e segura" que levou a ditadura a um desfecho acordado
com setores da oposição, permitiu a prescrição de crimes de violação de
direitos humanos e de lesa-humanidade. O dispositivo foi aplicado pelo
Estado brasileiro ao processo de Herzog.
A Corte, porém, considerou que a aplicação da Lei de
Anistia a esse tipo de caso viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, da
qual o Brasil é signatário. A decisão destaca que, pelo Direito Internacional,
tais crimes sempre são considerados imprescritíveis –ou seja, não existe prazo
máximo para a punição dos responsáveis.
Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou
com uma ação junto ao Supremo questionando a constitucionalidade da Lei de
Anistia, mas, no entendimento dos ministros, ela é compatível com a
Constituição Federal.
Revisão
O debate, no entanto, seguiu adiante. Em 2011, a deputada
Luiza Erundina (Psol-SP) apresentou, na Câmara, o Projeto de Lei (PL) 573/11,
que exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura aqueles que tenham sido
cometidos por agentes públicos, militares ou civis contra pessoas que
praticaram “crimes políticos”.
“Se o Congresso foi quem votou e aprovou a Lei de
Anistia, em 1979, cabe a ele a prerrogativa de revogá-la ou pelo menos fazer
uma nova versão, uma nova interpretação dessa lei”, defende a deputada.
Atualmente, o PL está parado na Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ). Erundina, que preside a Subcomissão Parlamentar Memória,
Verdade e Justiça da Casa, defende a necessidade de uma mobilização social em
torno da decisão da Corte. “A sociedade civil brasileira terá que obrigar,
exigir, pressionar e cobrar do Estado brasileiro, através do seu governo, o
encaminhamento dessas providências [determinadas pela CIDH]”, reforçou.
A CIDH é um órgão vinculado à Organização dos Estados
Americanos (OEA) e suas decisões têm caráter de cumprimento obrigatório. Em
nota, a Corte informou que irá acompanhar o acatamento da decisão por parte do
Brasil e exigir a apresentação de um relatório no período de um ano.
Governo
Em nota pública divulgada na noite de quarta (4), o
Ministério dos Direitos Humanos afirmou que reconhece oficialmente a decisão da
CIDH e que “dará cumprimento integral à sentença, bem como articulará com
outros órgãos e entidades públicas o seu cumprimento”.
Edição:
Diego Sartorato – Brasil de Fato
Nenhum comentário